Evento longo com muitos palestrantes e muitos inscritos (mais de 100 mil pessoas), o I Congresso Digital Covid-19 realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil tinha tudo para dar errado, mas deu super certo. Talvez por ser a advocacia a classe que mais cumpre prazos neste país, as palestras começaram na hora. Além disso, a tecnologia empregada não deixou ninguém na mão como tem sido tão comum nestes tempos de pandemia, home office e muita comunicação digital.
Só hoje foram disponibilizados quase 30 painéis de discussão sobre as repercussões jurídicas e sociais da pandemia de Covid-19 no Brasil. Obviamente não dava para acompanhar tudo porque muitas aconteceram ao mesmo tempo. Entretanto, quem se organizou direitinho conseguiu selecionar os temas que mais lhe interessavam dentre muita coisa disponibilizada, desde política até procedimentos do Poder Judiciário.
Na abertura, tivemos o presidente da OAB Felipe Santa Cruz falando, dentre outras coisas, da frustração que a reforma tributária apresentada pelo governo federal representou ao trazer aumento da carga tributária para o setor de serviços (um pulo de 3,5% para 12% sem qualquer prazo de carência), justamente o setor mais atingido pela crise, como os números de encerramento de negócios apurados pelo IBGE apontam, ao passo em que aliviou a carga para o setor bancário, que não sabe o que é crise há muito tempo.
Tanto o presidente da OAB como o presidente do Supremo Tribunal Federal e Conselho Nacional de Justiça Dias Toffoli falaram a respeito de um projeto denominado Escritório Digital para facilitar a vida de advogadas e advogados Brasil afora na hora de movimentar processos, trazendo um só sistema abarcando as variedades hoje existentes, o que representa grande notícia para a classe.
Mais à frente, o Ministro do STF Luiz Fux falou sobre as repercussões jurídicas da pandemia, destacando a cláusula rebus sic stantibus usada como princípio norteador na atual situação e também exaltando a decisão que reconheceu a autonomia de municípios e estados nas questões de saúde deste momento e a que mitigou a necessidade da presença dos sindicatos nos acordos de relações de trabalho na atual crise.
Depois foi a vez da Ministra do STF Carmem Lúcia abordar a liberdade de expressão numa realidade de fakes news. Ela fez boas considerações a respeito da garantia da liberdade de se expressar, não da expressão de ódio em si, ressaltando que uma das formas de solapar uma democracia nos dias que correm é o uso da desinformação, que sempre cumpre outros interesses. É preciso ponderar a limitação das fake news para nem termos censura, nem um ambiente em que crimes estejam liberados para destruir a própria democracia e a liberdade do outro.
Já à tarde (o evento começou às 10h e se estendeu para depois das 20h), o Ministro do STF Luiz Roberto Barroso falou sobre o destaque normalmente dado às decisões da corte que contrariam o governo, embora elas sejam em menor número em relação às favoráveis ao governo. Disse da importância da questão da autonomia de municípios e estados na luta contra a pandemia, ante realidades às vezes distintas até entre cidades vizinhas. Lembrou também do impedimento à campanha "O Brasil não pode parar" que o governo federal ensaiava pôr na rua em total contrariedade às orientações de todas as autoridades sanitárias do Brasil e do mundo. Ele ainda reconheceu que, mesmo sendo um admirador de um Estado menor, o investimento em ciência não pode ficar apenas com o setor privado. Citou como exemplo do valor da ciência o fato de que as maiores empresas atualmente lidam com investimento em ciência e conhecimento (Apple, Google, Microsoft, Amazon, Facebook). O Estado precisa entrar no setor de forma maciça. Falou também da necessidade de investimento na educação básica, que só se universalizou no Brasil em 1990, 100 anos depois dos EUA, um indicativo de nosso atraso atual. O Ministro fechou sua palestra afirmando que, sem qualquer moralismo, o Brasil precisa de pessoas competentes e corretas nos cargos certos.
Nos painéis, muitos debates e eu não teria como trazer nem um pedaço do que foi muito bem discutido em cada um deles. Contaram com minha participação discussões sobre inconstitucionalidades da legislação, virtualização de processos e prerrogativas, seguros, garantias processuais e comunicação de atos, funcionamento do Judiciário, saneamento básico e recursos hídricos, superendividamento, telemedicina e o dever de renegociar contratos.
No encerramento, escolhi um excelente painel sobre semipresidencialismo (um parlamentarismo com um pouco mais de destaque para a figura presidencial, como ocorre em Portugal e na França) como opção para as crises recorrentes do Brasil, que contou com a participação dos reconhecidos constitucionalistas Gilmar Mendes, Ministro do STF, e Michel Temer, ex-presidente da República, além do próprio presidente da OAB Felipe Santa Cruz.
Enfim, um evento grandioso - maior do mundo digital - e sem defeitos, algo para orgulhar os tão feridos habitantes desta terra que tinha palmeiras onde cantavam sabiás. Melhor: acompanhado de dentro de casa, sem o desconforto de tantas horas num assento de plateia, e com comida saudável para ser consumida nas horas certas. Nem de longe senti a maratona. Espero que essa seja a experiência dos 4 dias seguintes.
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