Uma excelente entrevista veio nas páginas 3 e 4 do primeiro caderno da Tribuna do Norte de domingo. O pai da Lei da Ficha Limpa, o advogado Márlon Reis, falou sobre o momento do Brasil. Interessante é que, no fim da entrevista, Márlon opina sobre a democracia brasileira, numa quase repetição do que falei num dos momentos do Podcast de sexta-feira. Vale a pena conferir exatamente como grafada:
"Como o senhor analisa o atual momento da política nacional?
Estamos vivendo um momento de mudança, no qual estão em conflito concepções de país. O Brasil sempre foi movimentado por uma ideia extremamente conservadora e elitista, que colocava fora do alcance dos mecanismos judiciais pessoas poderosas política e economicamente. Ao mesmo tempo havia uma grande inconformidade da sociedade brasileira. Estamos em um momento de transição. Isso deixou de acontecer, mas não está totalmente fora da realidade. Há, então, um conflito entre dois 'Brasis'. É natural que isto acabe se tornando uma fonte de crise. Trata-se de algo inerente a um momento de transformação.
Com relação a essas reações, há propostas em discussão no Congresso Nacional, como uma nova lei de abuso de autoridade e outros mecanismos que se tenta instituir. Isso pode representar avanços ou se trata de reações que querem impedir operações em andamento?
A maioria congressual está em desavergonhado conflito com os interesses da sociedade. Não se preocupa em reverter o profundo desinteresse pela vontade que da sociedade neste campo. A sociedade quer mais lisura e o combate à corrupção. Todos os projetos que estão sendo urdidos no Congresso Nacional sobre esse tema são para gerar retrocesso. Todos, sem exceção.
Alguns advogados e até lideranças políticas apontam excesso na Lava Jato. O senhor percebe abusos ou excesso do Ministério Público e Polícia Federal?
Na verdade essas instituições têm atuado de forma exemplar. Existe uma reação conservadora à Lava Jato. Uma reação de segmentos acostumados com a impunidade. É bom lembrar que a Lava Jato não está circunscrita à atuação de algum membro do Ministério Público ou algum juiz. Todas as decisões e manifestações institucionais estão submetidas a recursos. Então, são muitos âmbitos do Poder Judiciário: Tribunal Regional Federal, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal. Há todo o sistema judiciário a ser considerado. Não envolve apenas uma decisão de um juiz ou um posicionamento de um promotor ou procurador que deve ser levada em conta.
Podemos observar uma nova discussão sobre a Lei da Ficha Limpa. Desde que foi instituída a cada eleição tem essa discussão. Há ameaças à aplicação deste lei neste momento no qual o país está?
A Lei da Ficha Limpa tem inimigos poderosos até hoje inimigos poderosos até hoje, que não se conformaram com o fato de que a sociedade brasileira alterou a lei de inelegibilidade para aumentar de forma bastante relevante os rigores do processo de registro de candidatura. É natural que, tendo em vista o poder econômico e político, muitos setores atingidos frontalmente pela Lei da Ficha Limpa reajam. Entretanto, a Lei da Ficha Limpa está consolidada. Tem como maior escudo a legitimidade social. É por isso que os adversários da lei, por mais poderosos que sejam, são reiteradamente derrotados na tentativa de enfraquecê-la.
O caso mais visível, atualmente, que envolve a aplicação da Ficha Limpa, diz respeito ao ex-presidente Lula, que foi condenado em primeira instância e deve ser julgado pelo Tribunal Regional Federal. Esse caso vai ser exemplar para aplicação da Lei?
É o caso mais rumoroso. Seria a primeira vez que um ex-presidente da República estaria atingido pela Lei da Ficha Limpa. Mas, para isso, é preciso saber se o Tribunal tem a mesma visão sobre o caso, em julgamento, que o magistrado que atuou em primeira instância. O Tribunal Regional Federal se manifesta autonomamente. E tem diversas opções de julgamento. Uma delas é manter a condenação. Portanto, é preciso, primeiro, saber como decidirá o TRF.
Em caso de condenação, há possibilidade dele continuar elegível?
Se houve manutenção do juízo condenatório, ele estará alcançado pela Lei da Ficha Limpa e não poderá ser candidato.
Houve situações, nos municípios, nos quais condenados por órgão colegiado mantiveram a candidatura?
Não basta ser condenado por órgão colegiado. É preciso preencher alguns requisitos. Só a análise de cada caso pode elucidar o que houve.
Além da condenação por órgão colegiado, quais são os demais requisitos para ficar inelegível?
No caso da condenações por improbidade administrativa, é preciso que tenha havido a suspensão dos direitos políticos. Se a decisão não incluir a suspensão dos direitos políticos, não gera inelegibilidade. Para o público que não é da área jurídica pode ficar difícil de entender como alguém condenado pode ter escapado. Mas a Lei da Ficha Limpa foi feita pensando nos casos mais graves. Não é uma maneira de tirar toda e qualquer pessoa condenada. Mas, sim, as pessoas condenadas nas situações mais graves. Nos demais casos, compete ao eleitor julgar com o voto.
Recentemente, houve decisão de Supremo na qual admitiu que afastamento de parlamentares, e outras medidas restritivas, sejam confirmadas pelos Legislativo. Foi uma decisão que respeitou a separação dos Poderes ou uma decisão equivocada?
Foi uma medida equivocada da maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal. Com todo respeito, o STF falhou por se dobrar a uma pressão do Parlamento.
Tivemos a reforma política, com a cláusula de barreira, mas acabou adiando o fim das coligações proporcionais para 2020. Como avalia essa reforma?
Mais uma mudança na lei eleitoral que não tem a grandiosidade necessária para se caracterizar com uma reforma política. Não entrou nos pontos essenciais, cujo centro é o sistema eleitoral. As regras de eleição para o Legislativo precisam ser justificadas. Mas algumas propostas apresentadas eram tão ruins, que acabamos comemorando a manutenção do modelo atual. Apesar disto, algumas mudanças pontuais podem ser comemoradas, como a possibilidade de financiamento coletivo de campanha. Isso é algo que defendemos. Estivemos no Congresso sustentando a viabilidade e necessidade de adoção deste modelo, o chamado 'crowdfunding', nas campanhas para modernizar e facilitar a participação cívica dos brasileiros no processo de financiamento eleitoral.
Há um problema de representatividade no sistema politico do país. Como senhor acha que deviam ser as mudanças para melhorar essa situação?
Primeiro, precisamos acabar com a ideia de que eleições precisam ser caras. Diante da proibição das doações empresariais, os parlamentares aprovaram um fundo bilionário para financiamento das campanhas, com recursos concentrados em pouquíssimos partidos. É uma maneira que eles encontraram para manter as eleições em patamares astronômicos. Precisamos acabar com essa cultura de que eleição precisa ser algo caro. Eleição tem que ser de forma simples, austera. E que propicie mecanismos para dar aos eleitores conhecimento sobre os candidatos e suas propostas.
Na avaliação do senhor, não deveria ter financiamento público para a campanha? Só de pessoa física?
Entendo que poderia ter, não é esse o problema. Considero que o valor foi exagerado e a maneira de distribuição foi injusta. Mas não sou contra a existência de um algum nível de financiamento público.
Devia ser equitativo, todos os candidatos terem o mesmo volume de recursos?
Não. Mas pelo menos que o a diferença não fosse tão grande. A diferença entre os que têm mais e os que têm menos não poderia ser tão absurda quanto é hoje.
Estamos mais ou menos há um ano das eleições e se cogita nomes e os partidos se preparam para a disputa. O país poderá avançar em 2018?
É possível, porque nós teremos a possibilidade da manifestação dos eleitores nas urnas. A acho que é a hora de os eleitores darem o troco. O volume de informações nunca foi tão alto sobre as debilidades da representação política. Entendendo que em 2018 é um ano de profunda renovação. Todos os eleitores devem ser exortados a realizar uma ampla renovação dos quadros políticos, buscando nomes que sejam de fato conectados com a sociedade e não com os seus interesses pessoais.
Como avalia os nomes que surgiram até o momento para presidente?
Sou filiado à Rede Sustentabilidade, então defende o nome de Marina Silva, a respeito de quem não há questionamento ético ou denúncia. Ela se porta de forma moderada. Com relação aos demais candidatos... Há, realmente, uma profusão de problemas até de natureza criminal. O ex-presidente Lula realmente tem uma profusão de processos criminais, Bolsonaro tem como grande desvantagem o extremismo. Mas a sociedade brasileira não é extremista. Além disso, as propostas que ele representa são superadas e ultrapassadas em todo o mundo civilizado. Precisamos de outro temperamento, de estadista, e não de discursos que disseminam o ódio.
O senhor fez uma campanha contra a corrupção eleitoral. Acha que a Justiça Eleitoral está preparada para, no próximo ano, impedir irregularidades, como o uso de caixa dois?
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir de fevereiro de 2018 mudará de composição e passará a ser integrado por uma maioria bem mais exigente do que a atual composição. Espero, para 2018, uma postura ainda mais assertiva da Justiça Eleitoral contra a compra de voto e o abuso de poder político e econômico.
Como viu o episódio no qual houve uma troca de acusações entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes no STF?
O ministro Gilmar Mendes vem praticando excessos há muito tempo. Adota posturas claramente incompatíveis com o que se espera de um magistrado. Ele vive opinando sobre processos dos quais nem é julgador. Parece um participante ativo da vida partidária e congressual em situações que não lhe dizem respeito como ministro do Supremo Tribunal Federal. Então, de alguma maneira, o ministro Barroso verbalizou uma série de críticas que são de conhecimento da maioria dos brasileiros.
Considera que as instituições do país estão funcionando bem, principalmente o Judiciário e os Tribunais Superiores?
Sim. Claro que sempre é possível melhorar, mas estamos em pleno funcionamento das nossas instituições. Precisamos aprimorar mais, seguir adiante. No futuro, não terá tanta guarida à grita conservadora para que pessoas mais poderosas não sejam alcançadas pela Justiça.
Como o senhor vê a perspectiva do país daqui por diante?
A tendência é superarmos essa crise em poucos anos. E vamos readquirir a capacidade de diálogo. O Brasil está um momento no qual o diálogo está suspenso entre vários segmentos. Mas vamos recuperar. Isso será necessário e essencial. Digo sempre que o Brasil não está mais na sua infância democrática. Estamos na adolescência. Por isso, estamos vivendo tantos conflitos. Trata-se de algo típico da adolescência. Mas, em compensação, é a fase que precede à adulta. Por isso, sou otimista. Vamos superar este momento e a história registrará como uma transição."
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