O artigo a seguir (Na calada da noite, o assassinato das dez medidas) é de autoria da promotora Cibele Benevides Guedes da Fonseca e foi publicado na edição de 01/12 da Tribuna do Norte (página 2). Vale a leitura.
"Cansado da prevalência dos esquemas de corrupção em todos os rincões do Brasil, milhões de cidadãos brasileiros assinaram o apoio às dez medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público Federal. Tais medidas, em resumo, têm como objetivo criminalizar o enriquecimento ilícito; aumentar penas da corrupção e tornar hedionda aquela de altos valores; agilizar o processo penal e o processo civil de crimes e atos de improbidade; fechar brechas da lei por onde criminosos escapam (via reforma dos sistemas de prescrição e nulidades); criminalizar caixa dois e lavagem eleitorais; permitir punição objetiva de partidos políticos por corrupção em condutas futuras; viabilizar a prisão para evitar que o dinheiro desviado desapareça; agilizar o rastreamento do dinheiro desviado e fechar brechas da lei por onde o dinheiro desviado escapa (por meio da ação de extinção de domínio e do confisco alargado).
A sociedade brasileira foi às ruas e deixou claro aos parlamentares o que queria: um processo penal eficiente no combate à corrupção, com a prisão de corruptos independentemente de quem sejam. Nada de cestas básicas, nada de prestação de serviços. O que os cidadãos clamaram - e continuam a clamar - é que a corrupção não compense no Brasil.
Pois bem. De repente uma tragédia abate a nação, com a queda do avião da equipe de Chapecó. Enquanto os brasileiros dormem anestesiados pela notícia da tragédia, os deputados federais, na calada da noite, de forma muito eficiente, decidem votar o projeto das dez medidas de combate à corrupção. De início poder-se-ia pensar: ouviram as vozes das ruas! Decidiram trabalhar madrugada adentro para atender aos anseios da população! Ledo engano. Dizimaram as dez medidas, mas não apenas isso: aprovaram mudanças na lei que criminalizam a conduta de juízes e membros do Ministério Público que atuam na área criminal e de combate à corrupção.
Concretamente, o que a sociedade ganhou? Nada, só perdeu. Além de nenhuma das dez medidas ter sido aprovada (ou seja, a corrupção continua a compensar no Brasil, com apenas 3% dos corruptos sendo condenados e 97% continuarão sem punição), foi aprovada a nova lei de abuso de autoridade que, na prática, intimidará a atuação de juízes, promotores de justiça e procuradores da república que trabalham na área criminal e de improbidade administrativa. Pela lei, sofrerão risco de serem punidos com dois anos de pena. Que profissional vai querer se arriscar a isso?
Se a sociedade brasileira se conformar calada, nunca mais teremos outra Lava Jato. Nunca mais grandes operações. Satisfaça-se a sociedade com profissionais apáticos que apenas processamento o furto de galinha. Foi isso o que as ruas pediram aos parlamentares? Que País é esse? Nunca uma música foi tão apropriada ao nosso momento."
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