Hans Kelsen nos ensinou que é a grande norma fundamental que rege um Estado. Seu melhor retrato, digamos assim, é a Constituição. Foi assim que aprendi nos bancos da UFRN. Assim também quando voltei à velha federal de guerra tanto como aluna de pós-graduação (vejam só: me tornei especialista em Direito Constitucional!) quanto como professora de prática jurídica. Também na minha labuta como advogada sempre considerei que não há como subsistir no ordenamento jurídico qualquer providência, especialmente estatal, que contrarie nossa carta magna.
Mas nesta semana o meu mundo de conhecimento jurídico simplesmente ruiu. Vimos um senador, correção, vimos o presidente do Senado Federal flagrantemente se esconder para não ser notificado e intimado de decisão liminar que o afastava do cargo por ter se tornado réu em processo no Supremo Tribunal Federal. Achou pouco, reuniu seus pares de mesa do Senado Federal para assinarem nota oficial avisando que não aceitavam a decisão liminar, visto que proveniente de um único Ministro do STF. O que esperar de um sujeito que tratara um magistrado de "juizeco de 1.a instância"?
Vimos um Ministro do STF, que tem a língua mais venenosa já vista no mundo jurídico, dar entrevista dizendo que o autor da decisão monocrática ou era inimputável (sem capacidade de responder por seus atos, como se fosse um perturbado mental) ou deveria sofrer um impeachment.
Vimos o decano da corte, de enorme respeitabilidade em meu conceito, desdizer o entendimento por ele defendido na ação que terminou por afastar o presidente da Câmara dos Deputados ainda neste ano, sem que haja a menor diferença entre os casos.
E o que restou? Nada. Rasgue-se a Constituição. Mas ela ainda vale. É bom deixar claro que se seu nome não começar com Renan e não terminar com Calheiros, você não pode se esconder do oficial de justiça. Se você não cumprir uma decisão judicial, comete crime e vai virar réu. E neste caso não haverá referendo de liminar que esprema a Constituição aqui e ali para inventar uma solução tão esdrúxula a ponto que diga que você é algo, mas que também não é algo, e pode seguir sua vida normalmente.
O Brasil enlouqueceu. Não há mais lei. Não há mais nada. Há o que os políticos dizem que há. O desaforo é escancarado. Desde a entrevista de Lula, presidente, assumindo que fizera caixa 2 porque todo mundo fazia, a coisa veio ruindo. Mas a deterioração aumentou exponencialmente após a Lava-Jato, principalmente nos últimos dias. Primeiro, foi o presidente da Câmara que disse que não havia por que a Câmara ouvir a opinião do povo. Depois, o presidente do Senado, que já havia criado junto ao presidente do STF um Frankenstein constitucional na hora de aplicar a penalidade a Dilma Rousseff na questão de seu impeachment, fugiu de um oficial de justiça e afirmou que continuaria no cargo. Agora um Ministro do STF mudou seu voto de julgamento de outra questão em julgamento outro! Todos sem o menor constrangimento de tais atitudes!
Peço perdão pela imagem grosseiramente chula que vou expor, mas se nem o Judiciário escapa, se nem a Constituição se mantém de pé, é porque estamos todos nós, brasileiros, que não somos Renan Calheiros e seus colegas de alquimia constitucional, de calças arriadas, de quatro, ao dispor dos donos deste país.
A minha decepção é tamanha que chego a questionar se foi isso que escolhi para minha vida quando decidi lá atrás prestar vestibular para Direito. Estou em crise de identidade como cidadã também.
A boa notícia é que agora vamos trabalhar até o dia de nossa morte, isso se não ficarmos desempregados antes. E vamos reeleger todos eles daqui a dois anos.
Este é o Brasil, um país de claras castas sociais. Cada vez mais, um país de nós x eles.
Até quando?
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