segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O desrespeito

Normalmente, quem paga para sair num bloco de Carnatal já faz um balanço mental de prós e contras. No meu caso, são pouquíssimos prós e muitos contras. 

O principal da última categoria é que não gosto do estilo. O negócio é muito repetitivo, embora melhor do que essas ondas atuais de qualquer coisa universitária: forró, sertanejo e qualquer coisa que o valha. Mas esclareço que respeito a opinião de quem gosta porque o mundo seria muito insosso se todo mundo gostasse das mesmas coisas. E se todo mundo gostasse do que eu gosto, talvez eu nem gostasse mais. Além disso, não gosto de multidão - só escapa o futebol. 

Um negócio que você tem que escolher o pior tênis para ir porque ele não prestará mais depois do evento denota algo de errado. Ainda mais considerando o preço que se paga. É um tal de empurra-empurra, esfrega-esfrega, joga cerveja, joga água, pisa na lama...minhas pernas tinham salpicos de lama até bem próximo dos joelhos. Quem me conhece pode imaginar a minha satisfação em participar de um negócio desse.

No fim, eu era uma mistura de purpurina, cerveja, lama, odores de cigarro e maconha (beleza para quem é alérgica e asmática) e suor (o meu e o dos outros).

E os prós? Dois. Um deles é Ivete (vídeos abaixo). Boa cantora, carismática, divertida, Ivete consegue dar show até quando não está cantando. Vale acompanhar o trio elétrico de pertinho, arriscando uma surdez, só para ver suas caras e bocas. E ainda parece ser muito generosa. É o que se depreende dos seus contatos durante o percurso, como quando falou com o cantor Netinho, cuja saúde parece definitivamente abalada, ou abraçou um fã deficiente visual ou ainda explicou a um fã fora do microfone porque não tiraria uma foto com ele, os dois últimos fatos praticamente fora dos holofotes.





O outro pró é o evento ocorrer na Arena das Dunas, perto de casa. Bem, isso era pró, agora virou contra. Explico.

Depois da Arena, tenho ido ao evento de carro. Mas o que ocorreu neste ano foi a gota d'água para mim. 

Normalmente, saio por onde entrei. Neste ano, me impediram de sair por onde entrei. Mas sabem o mais legal? Ninguém sabia informar onde ficava a saída. Nenhum panfleto explicava. Fui obrigada a sair perguntando a Deus, o mundo e as cabras de Seu Raimundo onde ficava a dita cuja, mas ninguém sabia informar. Achei uma funcionária trepada num andaime e resolvi lhe perguntar. Sem abrir a boca,  ela se limitou a apontar uma direção, mesmo eu tendo feito outras perguntas. Devia ser muda. Palmas para a inclusão.

Aqui já começa o desrespeito. Se a entrada do evento é separada por categoria (bloco, camarotes, arquibancadas, público da Arena, funcionários, trios), por que obrigar o pessoal dos blocos a usar uma saída que serviu de entrada para o público da Arena e que ficava do outro lado do mundo? Desde que o Carnatal é Carnatal, a Lima e Silva é reconhecidamente a região mais perigosa do evento. Volto a isso depois.

Mas o pior estava por vir. Não sei de quem foi a maravilhosa ideia de criar uma passarela altíssima (muito superior aos trios elétricos!) e toda em madeira compensada para obrigar o povo a sair da Arena. Muuuuitos quilos acima do peso e com pavor de altura, atravessar aquela estrutura cuja madeira afundava a cada passo foi um verdadeiro terror para mim. Um rapaz quase caiu ao meu lado ao tropeçar no carpete solto. Fiquei me perguntando como o Corpo de Bombeiros liberou uma estrutura precária daquela. E se todo mundo resolvesse sair ao mesmo tempo? E pessoas com dificuldade de locomoção? Minha mãe, por exemplo, queira ir. Nos antigos, ela ia. Na Arena sem cadeiras, não dá. Imagina se ela vai! Mamãe tem muito mais pavor de altura do que eu. E ainda tem dificuldade no caminhar após um AVC. Saí de lá com um quente e dois fervendo!

Ao chegar próximo à Lima e Silva, o primeiro relato de roubo. Uns rapazes reclamavam aos seguranças que a Polícia não fazia nada e eles tinham feito boletim de ocorrência. Aliás, no finzinho do bloco, Ivete parou de cantar porque uma moça teve o celular roubado lá no bloco e o pau cantou. Foram uns 10 minutos de Ivete tentando acalmar o negócio, inclusive com atuação dos seguranças.

Na Lima e Silva, desviamos o caminho da passarela quase na sua entrada e Janaina ainda viu uma moça pálida relatar que acabara de ocorrer um assalto ali. Um rapaz de rosa ainda veio em nossa direção, mas ao perceber que eu havia notado sua atitude suspeita (bandidos adoram pegar suas vítimas desprevenidas), desnorteou-se e mudou imediatamente a trajetória. Escapamos. 

Do outro lado da BR 101, nada de policiamento. Não vi os flanelinhas habituais dali. Rezei para os novos serem realmente flanelinhas. Mas nada de ruim ocorreu. 

A experiência foi tão traumática que Janaina,  a super fã de Carnatal e de Ivete, disse que não volta mais. Também pudera! Escapar da morte numa passarela insegura e presenciar assaltos, tudo quase que simultaneamente, e depois de todo o empurra-empurra no bloco, é mesmo para traumatizar qualquer um. 

A vida é nosso maior e mais frágil bem. Numa semana em que lembramos disso de uma forma tão sofrida, arriscá-la sem um motivo nobre é quase que um escárnio.

Há dois anos, fiz elogios ao evento. Neste ano, nota zero para o Carnatal pelo desrespeito.

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