A vida mudou tanto que eu vim lembrar ontem numa conversa telefônica com um oficial de justiça de Mossoró que hoje seria feriado. "Feriado de quê?", perguntei, imaginando uma data municipal. "Dia do advogado" foi a resposta. Caímos na risada.
De fato, nem parece feriado. Em casa eu já estou na maior parte destes 5 meses. Não sou mais professora, nem frequento mais a rádio para as transmissões do América. Como advogada, o ritmo de trabalho digital se manteve, com o acréscimo de que hoje todo contato ou é por telefone, ou por rede social, ou até via petição no PJe. Nada de secretarias de varas, juizados ou gabinetes de tribunais.
Este foi o primeiro ano em que esqueci da data. Malvadeza do cérebro. Nunca tal profissão foi tão requisitada como nos últimos tempos, especialmente para trazer equilíbrio a contratos e chamar empresas à sua responsabilidade. Todo mundo tem um problema para chamar de seu.
O exercício da advocacia desenvolve a paciência. É preciso lidar com as mentes diferentes que povoam cada vara/juizado/tribunal deste país, cada uma com seu próprio ritmo. Explicar isso a clientes que nem sempre entenderão... Na dúvida, a conta sempre sobra para a advocacia, seja a liminar descumprida apesar das penalidades, seja a execução que findou infrutífera porque não há bens identificáveis do devedor, ou o famigerado ritmo da Justiça brasileira.
Lembro dos meus tempos de professora da Prática Jurídica da UFRN em que o coordenador dizia que nós éramos a única profissão do mundo que comia seus honorários. "Recebeu quanto fulano?", "Recebi X, mas o advogado comeu 20%". Ninguém se liga de calcular o valor pago pelas horas, dias, meses e até anos de trabalho naquele processo. Talvez se chegue a uma remuneração de R$ 50-100/mês. Nem quem recebe auxílio emergencial é tão mal remunerado para ficar com tal pecha de "comedor de dinheiro".
A advocacia faz da luta pelo direito do outro o seu sacerdócio. Compramos a briga pela justiça. Enfrentamos decisões que surpreendem na certeza de alcançarmos o que é justo. Mas essa certeza está na nossa alma, e ela nem sempre é alcançada pelas decisões judiciais.
Nesses anos todos em que milito no Direito já vi ondas e ondas, por exemplo, em relação aos danos morais. De tempos em tempos, surge uma convicção comezinha que pretende afirmar que há uma tal indústria do dano moral. Ora, se não há dano sem um causador, seria mesmo a advocacia a responsável pela multiplicação das indenizações motivadas por danos morais?
A onda atual quer permitir a planos de saúde e empresas de venda online o descumprimento contratual sem punição, transformando o inadimplemento em negócio vantajoso para o inadimplente convicto. E não falo aqui de pequenos descumprimentos. Tratamentos negados, ou cumpridos a menor ou com grande lapso temporal, entregas nunca feitas, ou feitas com atrasos de meses absolutamente injustificados, tudo sem ao menos uma explicação, ainda que mentirosa, para o consumidor. Há uma verdadeira institucionalização do descumprimento não gerador de dano, gerando efetivo estímulo para que contratos de consumo funcionem como financiamentos a juros módicos para os ramos da economia citados.
Sim, a luta da advocacia é a do dia a dia: buscar o cumprimento da lei. Agora lutamos também contra a ideia de que a multiplicação de processos é fruto, dentre outras coisas, dessa tal indústria do dano moral. Como sociedade, estamos tomando o caminho errado mais uma vez. É a impunidade que multiplica as condutas ilícitas, não a busca por justiça. Economicamente falando, empresas cumprirão contratos a contento se for bem mais caro descumpri-los. Simples assim. E sem descumprimento, menos ações na Justiça, né? Logo, tal qual o sofá no adultério, se há uma indústria do dano moral multiplicando ações, a culpa não é dos consumidores lesados, nem de seus advogados constituídos.
Esse é apenas um pequeno retrato das angústias da profissão que briga diariamente por justiça. Advogados(as) são ansiosos(as), advogados(as) sofrem de depressão, advogados(as) são angustiados(as), advogados(as) correm contra o tempo, o tempo todo. Certamente merecíamos um pouco mais de consideração, ainda que existam maus profissionais entre nós. Ora, a advocacia não é uma ilha e dentro da sociedade nem todos somos éticos. E pelo menos neste quesito a democracia impera: isso independe de profissão.
Neste 11 de agosto, rendo minha homenagem aos colegas que, como eu, persistem no ofício pelo mais absoluto prazer de ver justiça sendo feita. Que esse amor pelo Direito e pela Justiça seja enfim uma realidade no dia a dia dos brasileiros e das brasileiras de norte a sul deste país. Nós, da advocacia, seguimos na luta.
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