A Tribuna do Norte desse domingo (02/07) trouxe entrevista (página 3 do caderno Natal) com o ex-Secretário Nacional de Segurança Pública e especialista em segurança Ricardo Balestreri. Lógico que o assunto foi a segurança pública nos dias atuais. Seguem as ideias tais como publicadas, inclusive pontuação:
"O Brasil atingiu 59 mil homicídios em 2015, segundo o Atlas da Violência. Que leitura é possível neste contexto de segurança pública e desenvolvimento nacional?
O desenvolvimento brasileiro se encontra profundamente ameaçado porque anualmente reduz gerações inteiras de brasileiros, na faixa de 14 a 25 anos, particularmente pobres e negros. Há uma espécie de genocídio seletivo que ocorre todos os anos no Brasil, especialmente onde residem as pessoas mais desassistidas do ponto de vista material. É um quadro muito grave e que infelizmente foi banalizado. O país não escandaliza mais com os casos que ocorrem com esta população mais vulnerável. Isso compromete gravemente o futuro do país. Essas gerações deveriam ser substitutivas das que existem hoje no mercado de trabalho. E vai criando não apenas a dor e o drama do fenômeno da morte, mas toda uma cultura de exclusão de um segmento inteiro da juventude do país, dessa faixa etária e dessa classe social. Isso tem relação com o fato de morarmos em um país rico, mas profundamento injusto. Somos, com toda a crise, a décima economia do planeta, no entanto, 95% da população brasileira vive na pobreza ou na miséria. Essa cultura da injustiça brasileira faz com que haja um rescindente de mão de obra no Brasil e o que alguns teóricos chamam de prescindência. O capitalismo brasileiro é tão atrasado que ele prescinde das classes produtoras. Há hoje mais de 14 milhões de desempregados, mas esta fatia não importa aos formadores de opinião, aos mecanismos de poder.
Como reverter isso?
Investindo em educação para valores, que é diferente de mera escolarização. Mais do que crise econômica, financeira, política e social, há uma crise de valores morais. E, ao mesmo tempo, investir mais no tripé saúde, segurança e educação. O baixo investimento em segurança pública é um grave problema. Diferente de saúde e educação, não tem destinação de percentual obrigatório de orçamento. O nível de investimento em segurança pública no Brasil depende, hoje, da consciência e do humor do gestor público.
Tornar a destinação orçamentária obrigatória para segurança é a via para sair dessa crise?
Sim. O Brasil precisa começar a discutir a obrigatoriedade de investimentos para segurança pública para ter políticas públicas permanentes de Estado. Hoje se investe quase nada e mal. Nos últimos dois meses, o corte na verba federal foi de 40% em todo o país. O que já era mínimo ficou ínfimo. Infelizmente, a maior parte da gestão pública do país não se dar conta que não há desenvolvimento sem segurança pública, pelo caráter de interdição.
O que vem a ser o caráter de interdição?
Sem um mínimo de segurança pública se interdita o funcionamento das demais áreas. Sem segurança pública não há turismo, os empresários não investem, os professores têm medo de trabalhar de forma livre, não tem abertura de postos de saúde. Interdita a urbanização, saneamento, porque as obras não podem ser feitas.
Aqui no Estado, já são mais de 1,2 mil homicídios em seis meses. O que é preciso para conter essa violência?
Falta implementar o programa que o governador do RN, Robinson Faria, defendeu de policiamento de proximidade, mas isso custa caro. É preciso investimento. Com a crise econômica não há saída, a não ser o Estado tomar a decisão drástica de tirar recursos de outras áreas, que podem ser administradas a longo prazo, para investir em segurança. Fazer parcerias com a iniciativa privada. Uma crise de segurança pública não tem timing e arrasta para o fundo do poço qualquer Estado. É preciso encarar esse desafio. Priorizar a segurança pública é criar modelos de gestão mais científicos. Investir em Segurança pública custa caro, mas muito mais caro, humana e economicamente, são essas mortes. O choque deve ser de gestão com investimentos em segurança.
O senhor já afirmou que o modelo de polícia no Brasil é equivocado. Esse modelo deve passar pelo processo de desmilitarização?
Eu não defendo a desmilitarização, mas a modernização do militarismo. Em geral, as polícias militares fazem um bom trabalho, às vezes têm algum erro, mas muitas vezes são a última fronteira entre a civilização e a barbárie. Precisa investir mais em formação, em equipamentos, armas não letais também, em mais efetivo, capacitação continuada, em programas científicos, em programas analíticos de qualidade, e ter um modelo adequado, abandonar esse modelo de viatura circulando e aproximar o policial do povo.
A rebelião em Alcaçuz mostrou a deficiência do sistema prisional no Rio Grande do Norte...
O sistema prisional sofre em todo o Brasil. Porque está superlotado, em média tem 2,5 vezes a mais a população carcerária que poderia ter, e há uma realidade nova, diferente de dez anos atrás, o predomínio do crime organizado em toda rede. E este confronto entre as facções está no país inteiro, nos presídios e nas ruas, e significa um aumento extraordinário do crime e da violência. E traz um desafio para os gestores. É preciso também encontrar maneiras de programar penas alternativas para que os presos que não são perigosos, a grande maioria, se recuperem. E isso não acontece dentro do presídio, mas trabalhando, com penas alternativas, estudos, com monitoramento da prestação de serviços comunitários, com mutirões conjuntos do Poder Judiciário, Ministério Público, Poder Executivo, a Defensoria Pública, para julgar mais rápido os presos provisórios.
A atuação do Judiciário com as audiências de custódia cumpre o papel de reduzir essa superpopulação carcerária?
É uma tentativa, mas que deve ser melhor ajustada. Não adianta simplesmente só liberar, tem que ter mais cuidado. A polícia está o dia inteiro prendendo que comete atos deliquenciais. E se a polícia prende, prende, prende. E o Judiciário solta, solta, solta. Há um crise institucional insolúvel, porque a polícia acaba questionando o seu valor. Não é soltar o preso. É impor penas diferenciadas, que não sejam de reclusão. Quem tem a perder a liberdade é quem é perigoso. E é preciso ter presídios mais esvaziados para ter um controle mais rigoroso de quem representa perigo para a sociedade. E se esvazia impondo penas alternativas, se estruturando para acompanhar o cumprimento destas penas. Deixar num presídio dominado por organizações criminosas pessoas que não são perigosas não resolve, só contamina com a cultura do crime organizado.
E acabar com este domínio do crime organizado nos presídios depende de quê?
De uma atuação nacional interligada da polícia civil brasileira para investigação e desbaratamento das organizações criminais no país inteiro, feito ao lado da Polícia Federal e Polícia Rodoviário Federal. Estamos trabalhando no Pacto Integrador de Segurança Pública, do qual o Rio Grande do Norte faz parte, ao todo são 17 estados, e eu presido o Pacto, que propõe uma ação articulada das polícias brasileiras.
A descriminalização de alguns tipos de drogas pode resultar no enfraquecimento, pelo menos financeiro, dessas facções?
Não defendo a descriminalização, mas a mudança na legislação semelhante a de Portugal que trabalhe duas questões, a diferenciação da natureza da droga, o tratamento para cada tipo de droga que leva a pessoa à prisão. No Brasil se trata qualquer tipo de droga como se fosse a mesma coisa por um moralismo hipócrita."
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