Vamos por partes para não dar mais um nó neste assunto complexo e que vem sendo debatido na arquibancada, certamente o local menos apropriado para uma discussão tão profunda, mas que é reflexo da atuação desastrada das entidades no futebol brasileiro.
Acho que posso meter o bedelho aqui por ser advogada há mais de uma década e ter recebido o título de especialista em Direito Constitucional concedido pela UFRN, com monografia merecedora de nota 10 da banca julgadora, cujo tema envolvia Direito Processual Civil e, claro, Direito Constitucional. Então acredito que posso opinar sobre questões como esse imbróglio em que se meteu o futebol brasileiro e que envolvem a nossa lei fundamental - a Constituição Federal, que é por onde começaremos a tentar desatar essa nó.
Nenhuma lei pode revogar qualquer pedacinho que seja da Constituição. Apenas emendas constitucionais têm esse poder. E essas emendas requerem um trâmite super rígido para tanto. Se a Constituição pudesse ser modificada como uma lei qualquer, o Brasil sofreria de uma instabilidade inaceitável e o cidadão veria direitos que lhe são muito caros modificados ao sabor dos governantes. Há pontos nela - como o famoso e longo art. 5.º - que não admitem sequer emenda constitucional (modificação da Constituição com requisitos de trâmite muito mais rígidos). Contra esses pontos, só uma revolução que determinasse o surgimento de uma nova constituição seria eficaz.
Obviamente, não caberia aqui citar os mais de 200 artigos que formam a nossa Constituição. Citemos então os que mais diretamente estão envolvidos com a questão em discussão. Primeiro, falemos do art. 60, que prevê como a Constituição pode ser modificada. O § 4.º estabelece o que não pode ser modificado (as chamadas cláusulas pétreas):
Art. 60 (...)
§ 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais
Esses direitos e garantias individuais são os previstos no extenso art. 5.º, aquele que começa com "todos são iguais perante a lei". Aqui destacamos os incisos XXV, LIV e LV. Só isso já diz que a tal justiça desportiva não está acima da lei e pode ter seus (mal) feitos revistos pelo Poder Judiciário. Vejamos.
Art. 5.º (...)
XXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Mas não é só isso! No título VIII (Da Ordem Social), capítulo III (Da Educação, Da Cultura e Do Desporto), seção III (Do Desporto), o art. 217 traz em seus parágrafos 1.º e 2.º os limites da atuação do Poder Judiciário relativamente a este assunto:
Art. 217 (...)
§ 1.º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva , regulada em lei.
§ 2.º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir a decisão final.
Pelo que se sabe (não tive acesso aos autos em momento algum), o STJD já deu sua palavra final no caso, não havendo mais caminho a percorrer por parte da Portuguesa junto à justiça desportiva. Então, a condição para que o caso fosse levado ao Poder Judiciário já foi verificada.
Por fim, o golpe de misericórdia na brincadeira de tribunal do STJD é dado pelo Estatuto do Torcedor, no capítulo X (Da Relação com a Justiça Desportiva), especificamente nos arts. 35 e 36:
Art. 35. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.
(...)
Art. 36. São nulas as decisões proferidas que não observarem o disposto nos arts. 34 e 35.
Pronto. Acabou a polêmica. As decisões dos tribunais federais só valem com a devida publicação no Diário da Justiça eletrônico. Antes disso, elas não tem qualquer poder coercitivo. O STJD publica suas decisões? Essa que envolve a Portuguesa só foi publicada no site da CBF na segunda-feira após a rodada final do campeonato brasileiro. Como querer que uma decisão tenha eficácia sem que tenha sido publicada? Esse comportamento esdrúxulo do STJD, que adora marcar sessões às vésperas das rodadas e quer que suas decisões tenham eficácia sem publicação, é o que proporciona essa avalanche de brechas para que os campeonatos terminem no Poder Judiciário. Cumprisse sua função como determina a lei, nada disso estaria ocorrendo. E mais: ainda que o STJD publicasse sua decisão na noite de sexta-feira ela não valeria no fim-de-semana, pois o Código de Processo Civil brasileiro determina que nenhum prazo é iniciado ou encerrado em dias não úteis.
É possível que o Poder Judiciário chegue à conclusão de que o jogador Héverton estava mesmo punido em virtude de já ser tradição (?) do STJD julgar em véspera de rodada e considerar que os envolvidos estão devidamente intimados da decisão e que ela passa a valer imediatamente, mesmo que isto ocorra numa madrugada - uma coisa abominável e impensável para quem vive a realidade do Direito. Só não é provável, porque o procedimento do STJD é reiteradamente contrário à lei e não se admite costume contrário à lei no Direito brasileiro. Já pensou como a bandidagem adoraria que o costume contra a lei revogasse esta? Uma selvageria só!
Independentemente de como (e quando!) vão terminar as Séries A e B deste ano, o que eu espero é que a CBF e o STJD provem que são capazes de evoluir a partir de seus erros e CUMPRAM a lei a partir de agora: decisão do STJD só vale a partir de sua publicação, como previsto no ordenamento brasileiro. Afinal, ninguém está acima da Constituição de um país. Ninguém mesmo. Nem a CBF, nem a FIFA, nem muito menos o STJD.
Pena que o Ministério Público não esteja interessado em peitar a CBF e o STJD para cumprir as determinações do Estatuto do Torcedor sob pena de ver as penalidades do capítulo X aplicadas. Uma pena mesmo.
Pobre futebol brasileiro.
Esses direitos e garantias individuais são os previstos no extenso art. 5.º, aquele que começa com "todos são iguais perante a lei". Aqui destacamos os incisos XXV, LIV e LV. Só isso já diz que a tal justiça desportiva não está acima da lei e pode ter seus (mal) feitos revistos pelo Poder Judiciário. Vejamos.
Art. 5.º (...)
XXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Mas não é só isso! No título VIII (Da Ordem Social), capítulo III (Da Educação, Da Cultura e Do Desporto), seção III (Do Desporto), o art. 217 traz em seus parágrafos 1.º e 2.º os limites da atuação do Poder Judiciário relativamente a este assunto:
Art. 217 (...)
§ 1.º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva , regulada em lei.
§ 2.º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir a decisão final.
Pelo que se sabe (não tive acesso aos autos em momento algum), o STJD já deu sua palavra final no caso, não havendo mais caminho a percorrer por parte da Portuguesa junto à justiça desportiva. Então, a condição para que o caso fosse levado ao Poder Judiciário já foi verificada.
Por fim, o golpe de misericórdia na brincadeira de tribunal do STJD é dado pelo Estatuto do Torcedor, no capítulo X (Da Relação com a Justiça Desportiva), especificamente nos arts. 35 e 36:
Art. 35. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.
(...)
Art. 36. São nulas as decisões proferidas que não observarem o disposto nos arts. 34 e 35.
Pronto. Acabou a polêmica. As decisões dos tribunais federais só valem com a devida publicação no Diário da Justiça eletrônico. Antes disso, elas não tem qualquer poder coercitivo. O STJD publica suas decisões? Essa que envolve a Portuguesa só foi publicada no site da CBF na segunda-feira após a rodada final do campeonato brasileiro. Como querer que uma decisão tenha eficácia sem que tenha sido publicada? Esse comportamento esdrúxulo do STJD, que adora marcar sessões às vésperas das rodadas e quer que suas decisões tenham eficácia sem publicação, é o que proporciona essa avalanche de brechas para que os campeonatos terminem no Poder Judiciário. Cumprisse sua função como determina a lei, nada disso estaria ocorrendo. E mais: ainda que o STJD publicasse sua decisão na noite de sexta-feira ela não valeria no fim-de-semana, pois o Código de Processo Civil brasileiro determina que nenhum prazo é iniciado ou encerrado em dias não úteis.
É possível que o Poder Judiciário chegue à conclusão de que o jogador Héverton estava mesmo punido em virtude de já ser tradição (?) do STJD julgar em véspera de rodada e considerar que os envolvidos estão devidamente intimados da decisão e que ela passa a valer imediatamente, mesmo que isto ocorra numa madrugada - uma coisa abominável e impensável para quem vive a realidade do Direito. Só não é provável, porque o procedimento do STJD é reiteradamente contrário à lei e não se admite costume contrário à lei no Direito brasileiro. Já pensou como a bandidagem adoraria que o costume contra a lei revogasse esta? Uma selvageria só!
Independentemente de como (e quando!) vão terminar as Séries A e B deste ano, o que eu espero é que a CBF e o STJD provem que são capazes de evoluir a partir de seus erros e CUMPRAM a lei a partir de agora: decisão do STJD só vale a partir de sua publicação, como previsto no ordenamento brasileiro. Afinal, ninguém está acima da Constituição de um país. Ninguém mesmo. Nem a CBF, nem a FIFA, nem muito menos o STJD.
Pena que o Ministério Público não esteja interessado em peitar a CBF e o STJD para cumprir as determinações do Estatuto do Torcedor sob pena de ver as penalidades do capítulo X aplicadas. Uma pena mesmo.
Pobre futebol brasileiro.
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