Levei muitos anos para concluir a leitura de Les Misérables, de Victor Hugo. Tenho impressão de que já contei isso em outra postagem.
Gosto de ler no original, ciente de que as obras sofrem na tradução. Dizem que Dom Casmurro, obra em português mais traduzida (ainda é?) para outras línguas no mundo, sofre muito com isso, com a pessoa que traduz sempre se posicionando sobre a traição de Capitu.
O problema é que meu francês é ridiculamente parco, somente aguentando algumas passagens em obras de Direito, muito longe de uma leitura fluente como naturalmente ocorre para mim em português e inglês.
A primeira vez que a obra chegou às minha mãos - acho que foi há uns 10 anos - chegou em inglês. Li muito entusiasmada. Que decepção ao chegar ao final do livro e descobrir que se tratava apenas de parte da estória, que fora dividida em volumes. Foram mais de 500 páginas para terminar com tudo sem solução.
Muitos anos depois tive a sorte de ser presenteada com o volume completo. De novo, sem minha interferência, a obra veio em inglês, o que me deixou muito a par das diferenças que cada pessoa que traduz impõe à obra. A primeira era marcada por longas notas de rodapé explicando a escolha pela tradução de determinado termo do francês para o inglês, línguas não oriundas da mesma fonte. A segunda resolveu até alterar a ordem de capítulos e suprimir algumas passagens consideradas supérfluas para um volume único de mais de 1.200 páginas. Ou seja, elas são a prova cabal da necessidade de ler as obras no original imaginado por quem a escreveu.
De todo jeito, é preciso preparação para enfrentar Les Misérables. A estória é interrompida muitas vezes, sem cerimônia, para fazer enormes flashbacks de personagens nem sempre tão importantes para a trama ou mesmo para explicar determinadas características da paisagem de Paris ou da França em geral.
Além da jornada de Jean Valjean e dos que lhe cruzam o caminho, teremos belos retratos da movimentação política na França antes, durante e após a Revolução Francesa, detalhes da Batalha de Waterloo, muito fatos reais, retratos quase fotográficos do sistema de esgoto de Paris, manifestos sobre sociedade, política, filosofia, religião... Enfim, Victor Hugo quase transformou sua obra numa pequena enciclopédia de uma sociedade em particular no Século 19, mas que tão bem reflete os desafios que nos assolam em pleno Século 21.
Em português, a obra ganhou um título traduzido ao pé da letra - Os Miseráveis - assim como filmes e musicais, que são apenas uma pontinha do iceberg que Victor Hugo pôs no mundo. Se nunca leu, é melhor se organizar para abrir essa porteira para um outro tempo. Principalmente para quem não gosta de História, Victor Hugo deixou quase um diagnóstico do mundo de hoje como reflexo de outras épocas. Indispensável.
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