segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Seria o fim do "rouba, mas faz"?

Esse era o lema de um político na década de 50. Imaginem o nível da política brasileira: o cara já fazia campanha afirmando que roubaria, mas também lembraria em algum momento do povo...

De lá para cá, a nação brasileira foi se acostumando a todo tipo de ladroagem. Todo político seria ladrão e pronto. O voto na urna seria uma verdadeira licença para os mais terríveis malfeitos com o dinheiro público. Aliás, o conceito de coisa pública era de coisa do governo. E quando vivíamos a ditadura, parecia ser uma espécie de vingança depredar o patrimônio "do governo". E assim surgiu esse sentimento forte de que coisa pública não pertence ao povo, e sim aos políticos da situação.

Só que no meio do caminho havia uma pedra: a constituição de 1988. No afã de ser garantista e impedir novos arroubos que retirassem direitos do cidadão, a carta magna brasileira trouxe importantes instrumentos para que essa triste realidade do "rouba, mas faz" enfim pudesse nos abandonar.

Não, ela não nos abandonou ainda. Afinal, a constituição ainda é jovem (apenas 27 anos). Seus conceitos ainda estão sendo sedimentados, tanto no mundo jurídico, como no mundo cão dos políticos.

Hoje é preciso prestar contas de cada centavo gasto do dinheiro do povo. As negociatas precisam ficar mais escondidas. Tudo é  feito em aparente legalidade. Mas investigações mais aprofundadas, sempre empreendidas pelo Ministério Público, seja federal ou estadual, revelam jogo de cartas marcadas em licitações, propinas disfarçadas de doações, empréstimos e outras vilanias. Ressalte-se que esse papel do MP foi trazido pela constituição de 1988, que lhe deu garantias contra afastamentos a bel prazer dos governantes. O MP deixou de ser advogado do governo para ser fiscal da lei.

Desde a entrevista em que o presidente de então do Brasil disse para todo mundo ouvir que seu partido fizera caixa 2 (motivo que derrubara Collor em 1992), como se um crime cometido por muitos perdesse o caráter de ilicitude, Ministério Público, Polícias e Poder Judiciário parecem ter finalmente compreendido que a nossa constituição não pode ser um texto sem aplicação. Mensalão, Petrolão, Lava Jato, Zelotes e todos os outros escândalos diários e infinitos em todos os níveis de atuação política neste país seguem sendo fustigados, vasculhados e até punidos! Aos poucos, é verdade. Devagarinho, porém, numa marcha sem volta. O recado é simples: aqui já não se tolera mais o "rouba, mas faz". É preciso zelo com o dinheiro suado do povo.

O impeachment de Dilma, por exemplo, desafia politiqueiros Brasil afora. É princípio fundamental de direito administrativo que a administração pública só pode fazer o que a lei expressamente permite. Se não permite, então é proibido. Exatamente o contrário do cidadão. Nós podemos fazer tudo o que a lei não proíba. Se não proíbe, é permitido para nós. Por que a diferença? Proteção ao suado dinheiro do povo! A administração pública, desde o chefe de governo até um mísero estagiário, só pode atuar nos limites da lei. Se a lei proíbe estripulias com o dinheiro público, quem bobear dança. Ou deveria dançar...

E qual o medo dos governantes? Se Dilma cair, uma ruma de prefeitos e governadores devem acompanhar o destino pelo mesmíssimo problema: ginásticas feitas com o dinheiro público para cumprir metas determinadas em lei. Cumprir para inglês ver, diga-se de passagem, porque não houve cumprimento algum. Um ano inteiro de pagamentos realizados por um banco em nome do governo sem que haja dinheiro na conta do governo se chama empréstimo. O dinheiro daqueles pagamentos, que deveria estar ali, foi utilizado para outras coisas. Se você saca dinheiro da sua conta corrente sem que tenha dinheiro nela, já sabe que pagará juros, porque está sendo financiado pelo banco. Mas governos só podem pegar "empréstimos" com autorização prévia do poder legislativo. A lei não permite que o governo use "cheque especial". E quem desafia a lei...

A nação brasileira caminha a pequenos, mas incessantes passos para mostrar que temos apego às leis. Pelo menos nós que não somos políticos. A lei tem que soar como uma espada pronta a desabar sobre a cabeça de governantes sem zelo com a coisa pública. Mas para quem se acostumou com o Brasil do "rouba, mas faz" isso é uma afronta. Daí assistirmos todos os dias a políticos zombando dos outros (não-políticos, claro) que ainda trabalham em prol da nossa nação.

Pode demorar. Dilma pode até escapar, salvando a pele de muitos governantes salafraios por aí, afinal o impeachment é um julgamento político e exclusivamente a cargo de um Congresso desmoralizadamente presidido por um deputado com contas secretas na Suíça. Mas a nação brasileira parece querer seguir um novo rumo, longe de expressões perjorativas como "rouba, mas faz", "jeitinho brasileiro", "país das leis que pegam e que não pegam", e por aí vai.

Muita gente quer seguir esse novo rumo. Falta você, que diz não gostar de política, acompanhar mais de perto o que os políticos andam fazendo com o dinheiro público. Falta pararmos de eleger os que mentem descaradamente. Depois evitaremos os que mentem veladamente. Até sobrarem os bons. Assim faremos. 

Sonho com o dia em que "jeitinho brasileiro" significará honestidade e ética à toda prova. A cada dia que passa ele fica mais perto de chegar.

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