quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Era uma vez

Há muito, muito tempo, numa escola de estirpe de um país distante, professores reuniram-se com o intuito de escolher um novo diretor para o lugar. Houve muitos debates a respeito de como empreender tal escolha. Quais critérios deveriam nortear a decisão? Quem tomaria as rédeas do processo? Deveriam mesmo estabelecer critérios ou seria mais simples escolher um dentre os bravos professores para assumir o posto sem qualquer discussão?

Debate vai, debate vem, um professor novato no lugar resolveu expor sua opinião. Ele achava que deveriam escolher alguém que não fosse muito centralizador e que desse o máximo de transparência às decisões envolvendo a escola. Além disso, deveria não fechar os olhos aos avanços da sociedade onde a escola estava inserida. O diretor também deveria ter pulso suficiente para cobrar de professores e demais funcionários que a escola funcionasse a contento em cada setor, nem que precisasse ele mesmo (diretor) fazer o que deveria ter sido feito para dar o exemplo. Tinha que ser técnico e político ao mesmo tempo, sem olvidar de prestar contas de seu próprio trabalho a todos da escola, inclusive a alunos e seus responsáveis.

O diretor teria que ser motivador e cultivar um ambiente de máxima cooperação entre todos os que faziam a escola. Carisma, ética, lealdade e liderança seriam a sua força para obter o respeito de todos no dia-a-dia de sua administração. A escola tomaria grande parte do seu dia, mas com planejamento e objetivos claros, os resultados surgiriam em pouco tempo, sempre respeitando os limites de recursos financeiros e cuidando para que não houvesse qualquer perda de patrimônio, desde um mísero pedaço de giz até as próprias instalações físicas.

Na verdade, o professor novato ficou preocupado com a tendência percebida em seus colegas de colocarem no cargo um velho professor em vias de se aposentar. Este era reconhecido como grande professor, mas estava mais preocupado, segundo confidenciara aos mais próximos, em deixar a cátedra e enfim abrir uma pequena bodega numa cidade vizinha. Isso poderia deixar a escola em situação difícil durante o ano letivo e ainda desmotivar novos professores a tentar qualquer inovação em suas aulas ante a ausência de uma fiscalização mais próxima.

Feitas todas as suas considerações e observando o temor que alguns novatos demonstravam em assumir tamanha responsabilidade, o professor novato resolveu postular o cargo.

A escola ficou em polvorosa. O professor novato postulando tamanha responsabilidade? Isso não prejudicaria o bom nome da instituição? 

Foi aí que um dos veteranos procurou o novato para expor o que achava de suas ideias. Inicialmente, só o fato de ser novato já seria grande obstáculo à sua pretensão. É que os veteranos haviam modificado as regras há algum tempo e não admitiam recém contratados num cargo dessa envergadura. Também achava um desaforo ele sair determinando os critérios a serem observados para a escolha do novo diretor. Parecia que ele estava fazendo terra arrasada de todos os diretores anteriores, como se fossem desonestos, ou preguiçosos, ou desinteressados, ou tudo isso junto. 

O veterano ainda fez questão de lembrar ao novato que ele mesmo (veterano) poderia ser diretor, uma vez que era detentor de tempo, conhecimento, prestígio entre os colegas e de dinheiro suficiente para tamanha aspiração, mas os deveres do cargo eram muitos para ele.

Num golpe final, o professor veterano deixou claro para o professor novato que ele (novato) agora era motivo de chacota entre os mais antigos e que esperava que ele esquecesse a pretensão de ser eleito diretor da escola porque não apresentava a mínima condição para tanto.

É de se imaginar como o professor novato se sentiu humilhado. Até para ser diretor da escola era necessário ter dinheiro, embora os recursos da escola não se misturassem aos seus. Mesmo não sendo no Brasil, no país em questão, tal profissão também não era muito valorizada. Aliás, nessa época, só os fidalgos tinham valor. Não seria diferente naquela escola.

O novato desistiu. Não podia ter quase 100% do corpo de professores contra si - os veteranos representavam a grande maioria. Mesmo dentre os novatos seu nome não era unanimidade, impressionados que estavam com a declaração de um outro professor veterano ainda mais antigo de que a escola ficaria melhor fechada do que sob a direção do novato.

Assim só cabia ao novato esperar que um dia ele fosse um veterano. Ou que nascesse de novo com mais sorte, mais dinheiro ou uma ascendência nobre.

À escola restou a concorrência de outras. Não perdeu a estirpe, mas o alunado foi minguando ao longo do tempo. Outras instituições eram mais atrativas, inclusive no que se refere ao preço dos serviços. Para muitos, não valia mais a pena pagar para fazer parte de uma instituição muito arraigada a padrões considerados antigos até para a época de então.

Para os professores veteranos, no entanto, a realidade era muito mais fruto da falta de sapiência do alunado em não querer mais fazer parte de escola de tamanha estirpe do que de qualquer atitude de corporativismo. Não entendiam como os alunos podiam ter tão pouco apego àquela instituição a ponto de abandoná-la ou mesmo trocá-la por outra mais distante. Chegavam mesmo a expressar alívio com o afastamento de pessoas tão sem qualificação.

Aos que viam o caminho sem volta, fossem professores novatos ou alunos e seus responsáveis, ficou uma triste sensação de angústia e impotência. Aquele era definitivamente um destino sofrido demais para um lugar de tantas memórias afetivas. Sem voz, a resignação foi o que lhes sobrou. 

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