Na fábula de La Fontaine e Esopo, uma raposa com fome, ao ver uvas apetitosas numa parreira, parte feliz para alcançá-las. Ela tenta de tudo, mas aquelas delícias não estão a uma altura que lhe permita devorá-las sem muito esforço. A raposa, então, esgota suas forças, mas não consegue alcançar as apetitosas uvas. Cansada e com raiva por não conseguir o que queria, a raposa resolve ir embora. No entanto, faz questão de deixar clara sua opinião sobre aquelas uvas. Segundo ela, quem quisesse que levasse as uvas, pois ela não as queria mesmo. Tinha certeza de que eram azedas. Moral da história: o desprezo às vezes reflete uma vontade frustrada.
Essa é mais ou menos a história do América sempre que é época de eleição. Já falei por aqui: é sempre um ninguém quer, ninguém sabe, ninguém viu. Mas se surgir um candidato sem as bênçãos dos mais antigos, o alvoroço é grande para tentar uma chapa de consenso ou uma candidatura puro sangue.
Na última eleição, por exemplo, Eliel Tavares foi lançado ante a total ausência de vontade do presidente de então (Alex Padang) de renovar o mandato e de outros tradicionais voltarem ao posto. Parecia até que haviam cutucado uma colmeia. O zum zum zum entre os tradicionais foi grande. Houve até quem defendesse publicamente que o América deveria ser presidido por "um dos nossos, alguém de casa". Vamos para lá e voltamos para cá, surgiu o nome de Gustavo Carvalho, 7 anos depois de dizer que não mais voltaria ao posto ante a mágoa de 2007.
Nova eleição no América e voltamos à ladainha. Aparecer um candidato é um verdadeiro parto a fórceps. São muitos os melindres para tanto. "Só vou se for consenso" é o mantra mais repetido. Deve ser trauma do que ocorreu com Clóvis Emídio, vice de Zé Maria, talvez os mais apedrejados pelo fogo amigo nos últimos tempos. A conta sobrou para o América, com o rebaixamento em 2010.
Mas agora há um fato novo. Quer dizer, nem tão novo assim. Com a possibilidade (sim, nada é definitivo nas eleições do América) da candidatura de Eliel Tavares, já houve movimentação dos tradicionais para realmente disputar a presidência. Segundo declarou no Twitter Alex Padang, houve a declaração explícita de que se Eliel for candidato, haverá outra chapa. Até teria surgido o nome de Beto Santos, que seria filho de Jussier Santos.
Eu fico me perguntando qual o mal que Eliel teria causado ao América nesses últimos anos. Se alguém souber, ficarei grata por ser informada a respeito. Parece-me que o clube anda com as contas em dia. Neste ano, por exemplo, ele teve participação em contratações interessantes, como as de Maguinho e de Álvaro e até na do bom atacante Leandro Cearense, que terminou rompendo o pré-contrato para brilhar no Paysandu na Série B. Segundo o Vermelho de Paixão, o número de contratações por temporada vem caindo de 2013 para cá, sendo de 2015 o menor número (33), coincidentemente quando Eliel Tavares passou a atuar de alguma forma no futebol do América.
A impressão que tenho há alguns anos é que estão querendo transformar o América num clube hermeticamente fechado, com apenas poucas famílias ou grupos se revezando no poder. Os de fora são trucidados. Semelhante ao que se vê na política do estado, sem sobrenome tradicional ou apoio dos grupos mais antigos, não há esperança para os que almejam dirigir os rumos do Orgulho do RN. O destino é o fracasso ante o sistemático trabalho contra - o velho fogo amigo. E de artilharia pesada! Não me espanta que ninguém se habilite.
Aliás, essa é a pior forma de oposição: a velada, de bastidores, que atua sorrateiramente para dar o bote na hora certa. Não costuma deixar pedra sobre pedra porque quando se vem a identificar de onde partiu o ataque, o dano já é irreversível.
Tenho opinião e costumo pagar caro por externá-la, mas não gosto de críticas veladas nem de meias palavras. Gostaria muito de ver Hermano Morais ou Alex Padang de volta ao comando do América. Ambos, especialmente Alex, pegaram a pior fase do América: na Série C e/ou sem estádio em Natal para jogar. O clube perambulou de Goianinha a Ceará Mirim numa luta terrível para fixar um mando de campo por causa da demolição do Machadão. Arquibancadas móveis caras e inúteis apenas para garantir o Nazarenão como segunda casa. Parcas rendas ante a distância de Natal. Combate aos urubus que insistiam em tentar interditar os estádios apenas pelo sadismo de ver o América agonizando. Contra tudo e contra todos, ou conquistaram acesso, sempre um feito em se tratando de RN, ainda mais nessas condições, ou mantiveram o clube onde estava, um feito ainda maior em se tratando de Série B e das condições citadas.
No entanto, infelizmente, ambos não querem mais presidir o América. Aliás, ninguém mais quer. Mas Eliel quer. E além de já saber, por seu trabalho nos últimos anos, a realidade (podre, diga-se de passagem) do futebol atual que o espera, ele representa um certo sopro de mudança no América, o que pode abrir mais as portas do clube a pessoas que até já fazem parte do conselho, mas como não têm ligações com os mais antigos, se furtam a assumir tamanha responsabilidade com medo do tal fogo amigo.
Também já digo aqui que acho um saco essas notícias sobre eleição no América. Uma ruma de balões de ensaio, intrigas e quase todo mundo sem coragem mesmo de dizer o que pensa.
Voltando à raposa e às uvas, no América a fábula ganha mais um detalhe. A raposa, além de desprezar as uvas, ainda atua para que ninguém consiga degustá-las. Igualzinho ao dono da bola nas peladas de rua: se ele não joga, acaba o jogo.
E é com esse quadro que o clube luta para aumentar o número de sócios. Missão quase impossível. Neste caso, a lição do que ocorreu nos últimos 30 anos deveria servir de alerta. Quadro social minguante. Hoje tanto América como ABC, clubes centenários, não têm nem 20% dos sócios que tinham antes. Dormiram no tempo e acordaram em pleno Século XXI ainda com pensamento do futebol no Juvenal Lamartine. E quando se tenta dar 1 passo à frente, logo em seguida são dados 2 ou 3 para trás. Triste.
Nem sei se tudo vai mudar hoje mesmo, ou amanhã, ou no dia 27/10, mas já declaro que estou na torcida (não sou conselheira) para que Eliel Tavares seja candidato e consiga a maioria dos votos do conselho para enfim presidir o América. Se não for ele, que seja outro trazido por novos ventos. Mas que seja por um América sem tradicionalismos ou picuinhas e mais voltado ao seu grande patrimônio: sua torcida. Enfim, por um América para TODOS os americanos.
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