Às vezes ficamos tão expostos a notícias ruins que elas começam a parecer banais, corriqueiras. Isso foi muito bem explorado por Steven Spielberg n'A Lista de Schindler - os primeiros assassinatos são chocantes, os últimos não causam mais impacto.
Os massacres no mundo seguem essa batida. É preciso algo muito fora do normal para que fiquemos abalados. Refugiados morrem todos os dias. É preciso que um bebê sucumba para enxergamos o quanto essa realidade é cruel.
O Brasil vive esse clima. Aqui no RN foram quase 2.000 assassinatos no ano passado. A carnificina parece tão normal que há quem comemore, achando que os números se referem aos ditos bandidos.
Vejam o caso desse presídio de Manaus. 60 presidiários assassinados numa luta de facções do crime. Aqui fora, há quem comemore, afinal seriam todos bandidos. Não enxergam o óbvio: a falência do Estado garantidor da segurança. Vejam bem: esses presidiários deveriam estar sob vigilância constante, uma vez que estavam sob guarda do Estado. Nem numa situação dessa o aparato policial funcionou. Muitos outros presos conseguiram matar 60 ali, nas barbas dos agentes de segurança. Dá para imaginar o quanto o Brasil está sob controle do tráfico. E aqueles que comemoraram as mortes dentro de um presídio nem percebem o atestado que isso é de que estamos entregues à própria sorte aqui fora.
A exemplo do Carandiru, o caso ganhou repercussão internacional. Mas diferentemente daquele, quando os próprios policiais produziram o massacre, agora a chacina ficou a cargo dos presos em si, como se ali fosse uma terra de ninguém.
Não há o que comemorar. O Estado faliu. O sistema penitenciário faliu. Hoje é mera escola para formação de soldados do tráfico. A cada centavo que não se investe na melhoria desse sistema - que não atrai votos, diga-se de passagem - tanto mais os cidadãos de bem estão expostos a um mundo absolutamente cruel.
Mas o buraco é mais embaixo. É preciso mudar essa cultura horrorosa de impunidade. Nossa sociedade é a grande culpada. Nós somos os grandes culpados. Basta olhar para coisas simples: a lei de trânsito que só vale para os outros, ou que só me atinge se houver um guarda fiscalizando; uma cerca que protege um morro da devastação ambiental que precisa de fiscalização para ser respeitada; um governante ou político que tem licença para ser corrupto porque todos os outros também são.
Ninguém começa desviando milhões. Ninguém se inicia no crime participando de chacinas. O nosso limite ético vai sendo dilatado aos poucos. É um troco errado que não devolvemos; um download por site pirata; um control+c e control+v num trabalho escolar ou de faculdade ou publicação jornalística; um estacionamento proibido quando ninguém está olhando...
Como bem disse Jesus, aquele tão exaltado como salvador, mas cujos ensinamentos também só servem para os outros, vemos o cisco no olho do nosso irmão, mas não vemos a trave que cobre o nosso olho.
Precisamos de uma reflexão profunda a respeito do mundo que queremos. Fazer aos outros o que gostaríamos que nos fosse feito é um bom começo. Acabaríamos com os discursos vazios e hipócritas e teríamos uma efetiva melhora, primeiro em nossas casas, e daí em nossos bairros, cidades, estados, país e mundo.
Sobre o novo massacre, somente hoje o presidente Michel Temer achou que deveria discutir em reunião o que houve em Manaus. Isso depois de sermos manchete em todos os grandes jornais do mundo e até o Papa falar a respeito. Antes tarde do que nunca. Mas não sei por que tenho a sensação de que seguiremos sem grandes mudanças na nossa anormalidade normal. No máximo, medidas de curto prazo. E assim seguiremos com uma criminalidade exponencialmente crescente. Quem se importa?
Eu quero que eles se matem até não sobrar nenhum dos dois lados. "morro de pena"
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