sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Quando se perde a mão


Batwoman tinha e tem a faca e o queijo na mão para arrasar com sua contemporaneidade. 

Inicialmente, enfim dava destaque a uma personagem menosprezada do universo Batman. Não se contentou com o destaque a uma protagonista mulher e resolveu arrombar a porta do armário para trazer Kate Kane, prima de Bruce Wayne, como lésbica bem resolvida com sua sexualidade. Para completar, o elenco é diverso, equilibrado em suas etnias para bem refletir a realidade, inclusive com maioria de mulheres.

Problemas já apareciam na primeira temporada. Uma excessiva dependência da estória do Batman em si, uma atriz (Ruby Rose) que nunca me convenceu na hora de expressar qualquer tipo de sentimento, exalando artificialidade, o que é terrível para uma protagonista, dentre outro detalhes.

Mas os pontos fortes também fincaram o pé para salvar a série. O principal deles é a vilã irmã gêmea de Kate Kane. Beth Kane, ou Alice do país das maravilhas, que é a sua versão malvada e absolutamente encantadora em sua profundidade emocional e seu carisma que transforma a maior malvadeza em piada irresistível contada com a maior cara de inocência. Palmas para a atriz que eu não conhecia ainda, ou conhecia, mas não me lembrava de tão marcante que é sua atuação agora, a canadense Rachel Skarsten. 

A vilã Alice, que é hetero, ressalte-se, também tem sua formação como deve ser nos tempos atuais. Tudo é muito bem contado, nada de expor só suas maldades, já que ela também foi exposta a uma situação de sequestro prolongado no tempo com requintes de crueldade. 

A relação entre as irmãs, uma heroína, outra vilã, e o afeto fraternal que insiste em permear a disputa que as envolve consegue prender a atenção durante toda a primeira temporada.

Só que a CW (canal original da série) e Ruby Rose brigaram feio e a atriz preferiu sair em silêncio. Muito tempo depois abriu o bico sobre situações muito desagradáveis ocorridas no set. A CW negou. Ninguém mais do elenco falou e tudo ficou por isso mesmo.

Até aí a CW ficou de novo com a faca e o queijo na mão. Trouxe Javicia Leslie, que além de resolver a artificialidade de Ruby enquanto Kate Kane, ainda acrescentou poderosas nuances à estória sendo, além de lésbica, negra e moradora de rua. Se nos primeiros episódios a CW acertou a mão com um acidente aéreo que matou Kate Kane e proporcionou a aproximação entre Ryan Wilder e o uniforme da morcega, ao esticar a solução da morte anunciada, a estória entrou por um caminho chato e que só encontrou sustento na força de Alice e da atriz Rachel Skarsten.

Foi tanta volta que se deu no enredo para conseguir encerrar a ótima dualidade das irmãs gêmeas em lados opostos que eu temi que tudo acabasse com o desaparecimento da própria Alice, o que não ocorreu. Ufa! 

Poderia falar de mais defeitos do que acertos na 2.ª temporada, mas avanço para o ultraje da 3.ª, que parou por enquanto aqui na HBO Max no 11.° episódio. A série entrou em desespero. Agarrou-se às migalhas que sobram dos vilões de Batman e as empurrou goela abaixo nesta temporada. Acertaram apenas em 2: Poison Ivy, a original e a sucessora, e numa espécie de reencarnação da personalidade do Coringa (assassinado pelo Batman) num irmão de Ryan. Sim, Ryan era moradora de rua, mas despejaram agora uma família rica para ela sem muitas explicações apenas para que surja a mesma dualidade entre Kate e Alice. Pior: Ryan é do tipo que guarda rancor, mas parece ter superado rapidinho o detalhe de ter sido abandonada e ter vivido o pior lado do sistema da sociedade.

Para piorar, até o envolvimento romântico de Kate Kane, a militar Sophie, tudo enrolado em muita homofobia e num casamento tapa buraco virou poeira e a série correu para empurrar goela abaixo que Sophie também se envolve romanticamente com Ryan. Pior do que essa ideia foi a pressa em desenvolvê-la, o que deixou o romance mais artifical do que a atuação de Ruby Rose. Desculpem o spoiler, mas nada pode superar em ruindade a cena em que enfim Sophie e Ryan consumam o romance que a série insiste em impor. As atrizes estavam evidentemente desconfortáveis  na pior cena que já vi em termos de coreografia de sexo. Nem os beijos convenciam. Dá pena mesmo tanto das atrizes, como de quem escreveu e, principalmente, de quem dirigiu algo tão mal feito. 

Somente Alice salva esta série. Mas acho que até ela não terá força suficiente para segurar algo tão programado para desperdiçar talento e boas deixas para desenvolvimento de enredo. Acho difícil que haja uma 4.ª temporada, já que nem sei se a 3.ª termina, mas se houver, vou rezar para uma grande mudança em quem escreve e aprova roteiros e em quem dirige para ver se, enfim, a série acha seu rumo e corta esse queijo adequadamente. 

Se Batwoman não se salvar, que pelo menos Alice inspire uma nova série. 

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