quarta-feira, 6 de maio de 2015

Quanto vale um sonho

Já ouvi dizer que medo é a exata medida das consequências de algo. Quanto maiores as possíveis consequências, maior o medo. Concordo com esse pensamento. Pena não lembrar se tal aforismo tem um autor famoso. De todo jeito, levo a frase como uma verdade incontestável.

Hoje li uma reportagem no G1.com que me fez parafrasear o conceito acima, no entanto, aplicando-o ao que seria um sonho. Sonho é a medida exata dos seus esforços. Pensando bem, melhor seria afirmar que a transformação de um sonho em meta é a medida exata dos seus esforços. Quanto vale um sonho? Quanto mais esforço necessário para alcançá-lo, mais algo pode ser considerado um sonho, e quanto mais alguém de fato se esforça para alcançar algo, mais o sonho vira uma meta.

A reportagem que li traz a história (com H, porque verdadeira) que se passou com um sujeito de Sananduva, RS, e virou destaque com a sua chegada ao Distrito Federal neste mês.

Dos 9 aos 15 anos, ele e mais quatro irmãos eram borracheiros com o pai. Viviam de consertar pneus e lavar carros. Segundo seu relato, mãos e pés chegavam a congelar no inverno por ausência de equipamentos de proteção. "Só restava fazer muito fogo para se aquecer, mas, com isso, os choques térmicos era inevitáveis. Vivíamos com fissuras nas mãos e pés."

Diante das duras condições de vida, sua família acreditava que a única saída possível era a educação e, com muito esforço, os cinco irmãos foram aprovados numa faculdade de Direito a 250 quilômetros de casa. Os estudos foram pagos com um novo ofício que os irmãos tiveram que adquirir: aprenderam a costurar cortinas e edredons e a fazer bordados. Sem dinheiro para outros "luxos", os irmãos trocavam de roupa e de sapatos entre si para não irem vestidos sempre do mesmo jeito para a aula.

Ao conseguir a habilitação, o sujeito passou a trabalhar na área de vendas. Saía todo dia bem cedinho e ia de porta em porta pelos municípios da região vendendo os produtos do novo ofício. O almoço tinha como cardápio algumas fatias de pão caseiro e um pedaço de frango empanado frio ou uma torrada, tudo feito pela mãe. Para acompanhar, um litro d'água numa garrafa pet.

No fim da tarde, era hora de voltar para casa e pegar o ônibus para a faculdade. Nem sempre conseguia tomar banho. Comparecer às aulas geralmente só dava certo em 3 dias da semana. Ficou em prova final nos 10 semestres do curso.

Os colegas, bons seres humanos, emprestavam os cadernos para que ele copiasse as anotações. Livros de doutrina para estudo eram raros. "Aliás, meu 'horário de estudos' era no ônibus, durante as viagens de ida e volta, e aos domingos - os sábados eu usava para fazer vendas nas cidades mais distantes. A necessidade faz a gente se reinventar."

Tentou a Escola Superior de Magistratura aos 22 anos por insistência de um professor. Foi aprovado, mas passou a trabalhar nos finais de semana em escritórios e levava os estudos de segunda a sexta a 400 quilômetros de casa.

Com o fim do curso, neste momento já casado, ele começou a fazer concursos. Chegou perto da aprovação entre 1999 e 2003 nas carreiras de promotor, procurador, juiz estadual e juiz do trabalho, mas desistiu porque nascera o primeiro filho. Somente em 2010 retomou o sonho da aprovação. "Sofri muito para refazer a base do conhecimento que perdi durante aquela 'parada técnica'. Levei um bom tempo para voltar a atingir um 'nível competitivo'. Reprovei em muitos concursos. (...) Logo percebi que, por conta das minhas limitações (...) eu não conseguiria (...)  frequentar cursos preparatórios, estudar por 'doutrina pesada' etc."

Ele então começou a fazer resumos das matérias e a grifar as principais leis para voltar a ter noção das principais áreas do Direito. Fez sinopses de informativos, usou a internet, estudou provas antigas. Terminou juntando mais de 200 quilos de material de estudo - exatamente 34 caixas.


Todo esse material foi agora encaminhado para a reciclagem. Rolando Valcir Spanholo, o ex-borracheiro de 38 anos, tomou posse neste mês como juiz do Distrito Federal. "Naquele momento [espera de cinco horas em confinamento pela prova oral], um filme da vida passa na cabeça da gente. Sem me abalar, em fração de segundos, lembrei-me de cada fase, dos meus pais e familiares, das privações, das quedas, enfim, de tudo que tinha se passado ao longos dos 38 anos de minha existência. Entrei naquele recinto pronto para 'lutar' por mim e por todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, acabaram me ajudando a chegar naquele lugar. Não podia decepcioná-los."

"A vida sempre me ensinou que dificuldades existem para serem superadas. Aliás, dificuldades todos têm. Uns mais, outros menos, mas todos enfrentam obstáculos para alcançar seus sonhos. O que diferencia as pessoas é exatamente a forma como elas reagem diante das resistências do cotidiano. Uns se acovardam e se deixam dominar. Outros veem nas dificuldades grandes oportunidades de crescimento, de evolução pessoal."

Ler e não se emocionar com essa história é não reconhecer os grandes feitos de que o ser humano com sua inesgotável força de vontade é capaz. Quanto vale um sonho, qualquer quer seja ele? Quais obstáculos são mesmo intransponíveis? Quem define os limites de cada um? 

A transformação de um sonho em meta (alcançável) é a medida exata dos seus esforços. Reflitamos, então.

Nenhum comentário:

Postar um comentário