segunda-feira, 6 de março de 2023

Curva precoce

Sempre fui muito precoce para a minha idade, quase uma Benjamin Button do tanto que ouvia as pessoas me dizerem a respeito dos meus gostos: "Você parece uma velha". Nunca achei demérito, mas é fato que às vezes sentia dificuldade de entender o apreço que minhas amigas e meus amigos sentiam por pessoas/coisas que me pareciam tão sem lógica ou infantilizadas.

Ainda muito criança, algo entre 5 e 10 anos, eu me preocupava com os rumos do país, se havia comida suficiente para as refeições em casa e já me metia a vender brigadeiro na escola para ajudar minha mãe nesse quesito. É dessa época (fim dos anos 80 e com uma hiperinflação sufocante) o hábito de conferir ofertas quase que diariamente e frequentar mais de um supermercado para buscar um maior rendimento do orçamento doméstico.

Nem a rebeldia comum da adolescência trouxe novidades para os meus gostos - eu seguia uma "velha precoce". E assim exigia ser tratada, ante o reconhecimento de que tinha muito mais responsabilidade do que meus pares. Assim, ganhava o direito de só chegar dos shows depois do nascer do sol. Deixava meus pais dormirem até a hora de me buscar e, por isso, bati muito papo com o pessoal que trabalhava (inclusive na limpeza) nos antigos Circo da Folia e Vila Folia.

Eu vim experimentar um pouco mais de irresponsabilidade já adulta. Chegava das saídas para boates e shows entre 4h e 5h da manhã, dormia até 7h, tomava banho, café da manhã e ia para a aula ou o trabalho, a depender da época, como se nada houvesse acontecido. A conta, quando chegava, era só no outro dia, depois de uma noite completa de sono.

Agora, depois de virar a curva dos 40 anos, sigo precoce até na saúde. Passei a ter dificuldade para enxergar de perto antes mesmo dos 40, algo que não é tão comum. Adotei óculos multifocais muito antes do que meus pais o fizeram. Continuo enxergando como águia para longe, como disse a médica que me avaliou no Detran, mas cadê que eu vejo textos ou até mesmo minhas cutículas?

Passei a lembrar de quando descobri minha rinite alérgica e, logo depois, a asma e também as fortes crises de dor a cada menstruação a ponto de desmaiar ainda no início da adolescência e da cara de compaixão que meu avô fazia para mim ao dizer: "Minha filha, o que será de você quando chegar à minha idade?". Essa frase passou a ser um mantra para mim pós-Covid, especialmente com a desorganização da memória, do paladar e do olfato que ainda experimento (felizmente, menos a cada dia, é bem verdade).

Eu chego às vezes a brincar com mamãe, que fala cada vez mais baixo, que vai dar super certo eu ficando cega e surda e ela, muda. Damos boas risadas. É melhor rir do que chorar, né?

Ultimamente, até a força diminuiu (olha a velhice precoce!). Há coisas aqui que seguem uma sequência para serem abertas: mamãe tenta, passa para mim, eu não consigo abrir e Janaina é quem resolve a parada. Já decidimos retomar a musculação, mas a gripe que nos assolou pós-Carnaval e que, para variar, deixou uma crise de asma, nos impediu até mesmo de caminhar com essas chuvas repentinas. Espero que esta semana seja mais bondosa neste aspecto.

Quando criança e adolescente, eu tinha certeza (não sei por que) de que não passaria dos 20 anos, sem qualquer drama em relação a isso. Hoje não sei se chego onde meus pais e meus familiares chegaram e nem se chego com saúde, aí sim uma aflição. Neste mundo doido de hoje de mente entupida de redes sociais e streamings, eu temo pela saúde não só do corpo, mas especialmente do cérebro. Até uma agenda física eu arranjei para voltar aos bons tempos de compromissos que são anotados e jamais esquecidos, sem o Google para se meter. Até este texto eu fiz questão de escrever com caneta e papel para depois digitar. Tenho medo de, no futuro, a escrita cursiva não existir mais.

Só que nem tudo é tão pessimista. O Carnaval depois de 2 anos de recolhimento mostrou que ainda tenho pique como nos velhos tempos. Não abri mão nem das prévias, nem de um único dia da festa que é a cara do povo brasileiro, e olha que não sou muito fã do estilo musical e nem de multidões. Nem o dilúvio da terça-feira me assustou, embora tenha me presenteado com a 1.ª gripe depois de tanto tempo de pandemia. Foi muito bom ver a alegria nas ruas, depois de tanta tristeza. Até os números oficiais mostram que o povo queria mesmo era festejar. E assim foi.

Pretendo seguir brindando a vida neste caminhar para os 44, mas cada vez mais preocupada em construir agora a qualidade de vida de amanhã - ou até de hoje mesmo, ante a minha velhice precoce. Dizem que o que não se faz antes por estética se faz depois por saúde. Acho que cheguei aí. Viva a saúde, então!

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