sábado, 25 de setembro de 2021

Novo mundo

Lembro quando criança bem pequena da sensação que sentia quando dizia à minha mãe e à minha avó que eu estava querendo ficar cega. Obviamente o "querendo" aí não expressava desejo e sim iminência. É que de vez em quando ficava tudo embaçado, tipo quando o oftalmologista pinga um colírio para dilatar a pupila.

Não demorou muito e fui levada a um oftalmologista. Exames todos feitos e eu não tinha absolutamente nada. 

Na adolescência, fui diagnosticada com fotofobia, astigmatismo e hipermetropia, um grupinho bom de embaçamento. Nada demais, exceto a fotofobia, que fazia meus olhos chorarem copiosamente na presença de luz forte, o que desconfio era meu problema à época.

Para quem não tem ideia, a leiga avisa que astigmatismo é uma falta de simetria no encaixe do cristalino, que causa praticamente uma sombra fantasma nos objetos, como quando as antigas antenas de TV não estavam finamente sintonizadas. E hipermetropia é típico de quem vê de longe melhor do que quem não tem qualquer problema de vista. O calo é ver de perto. 

Usava óculos porque lia muito, mas o grau do astigmatismo e da hipermetropia era uma piada, mesmo somados. Eu enxergava praticamente a mesma coisa com ou sem óculos. 

Já adulta, eu compreendi que lá na infância eu também sofria de lacrimejamento, típico de alergias, já que o tal embaçamento era bem rápido para aparecer e ir embora. Também um outro oftalmologista me proibiu de usar óculos para problemas tão mínimos como eram o meu astigmatismo e a minha hipermetropia.

Mas aí os 40 foram chegando e com eles a hipermetropia arrochou de vez. Comecei a me incomodar com certos tamanhos e a proximidade dos textos. Tudo parecia perto demais para ver, cada dia mais. Até passar por um desafio com um pote de iogurte/coalhada no supermercado. Dizem que é a síndrome do braço curto. Quem acompanhou a cena deve ter rido até a quinta geração com a minha ginástica de braço com aquele pote.

Quando a pandemia deu uma arrefecida, voltei ao oftalmologista e saí de lá com uma prescrição de óculos para perto, mas recebi de Mariza, especialista e proprietária de ótica, a recomendação de me adaptar logo a um multifocal porque meu grau ainda era ridículo de astigmatismo para longe, o que me ajudaria nessa transição. Para ajudar, eu só me engracei com um par grande, longe do par pequeno recomendado para perto. Assim, segui o conselho de Mariza, mesmo não usando os óculos direto.

Mas o que é o momento em que eu coloco esses óculos, minha gente? Um novo mundo aparece. Meu celular parece até recém adquirido de tão nítida que a tela fica. O oftalmologista prefere que eu apenas aumente a fonte para ler no celular; daí o susto quando já estou de óculos porque estou lendo um livro ou outra coisa impressa e preciso checar algo no celular.

Um dia desses até multa tomei porque estava de óculos dirigindo (ainda não preciso) porque precisei ir a um P.S. à noite (achei melhor usar uma proteção nos olhos na pandemia) e era tudo tão nítido na rua para mim que nem percebi que o farol do carro estava apagado. 

Também ando em fisioterapia para a coluna e cada vez que fico de frente para (e muito perto d') a divisória do box onde fico sem óculos, a sensação é de estar vesguinha com tanta proximidade. Nem arrisco puxar o celular ou levar um livro. Penso na vida durante a sessão e tento desviar o olhar para não ficar vesga com a divisória.

Enfim, não reclamo deste pequeno problema que a carreira dos 40 trouxe para mim. Nem poderia. Confesso que me divirto com a comédia de mim mesma. Mas é impossível também não me maravilhar com esse novo mundo de perto, nítido, que surge a cada vez que coloco os óculos.

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