quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O papel e a caneta

Talvez cause estranheza às novas gerações, mas sou de uma época em que a gente torcia para chegar à 5.ª Série, quando finalmente as tias, que viravam professoras, nos deixariam escrever em cadernos grandes, de várias matérias, e com caneta. Sim, era quase um sonho para quem vinha de cadernos pequenos e tudo escrito a lápis. Era como enfim virar gente, vejam só.

Ainda lembro do meu primeiro caderno grande, da sensação de escrever, ou copiar a matéria, de caneta. Sempre tive o hábito de escrever com muita força e isso normalmente resultava em folhas marcadas e letras borradas, especialmente se a caneta soltasse muita tinta. Passei depois para as canetas de ponta fina para evitar esses acidentes. Nada de pontas porosas porque aí o desastre aumentava.

Tínhamos aquelas borrachas de duas cores que alguém inventou que o lado azul apagava escritos em caneta azul e o lado vermelho para apagar escritos em vermelho. Balela. A tentativa acabava em folhas despedaçadas. 

Aí surgiu o Liquid Paper, ou corretivo, ou corretor. Era um líquido branco que invariavelmente endurecia e deixava uma camada esquisita no caderno. Depois de adulta é que aprendi a utilizar o fundo do recipiente para dar um melhor acabamento ao remendo.

Hoje digitamos para lá e para cá, seja em computadores, seja em smartphones, mas, para mim, nada tira a sensação de concretizar um pensamento com papel e caneta. Já confessei em alguma postagem nas redes sociais que só preparo os podcasts assim. Nada de pauta digital: é na folhinha e na tinta indelével mesmo.

Escrever no mundo atual é quase uma resistência. Quantas vezes não me pergunto se aquela palavra é mesmo daquele jeito? O manuscrito causa estranheza. Há momentos em que até paro no meio da palavra pensando se já escrevi a letra que tem que vir depois. Falta de hábito ou idade pesando? A essa altura acredito que não dá mais para saber com certeza.

O prazer persiste. Escrever, ler o que escrevi, corrigir, escrever de novo. O gosto é tamanho que carrego um caderninho na bolsa para eventuais anotações. Até textos para esse blog já passaram por ali. Não é o caso deste, diga-se de passagem, que flui diretamente das teclas do computador, embora tenha sido imposto a mim pela preparação antecipada do podcast de amanhã, produzido com caneta e papel pautado, de caderno, "emprestado" de uma amiga (nunca devolvemos a doação disfarçada de empréstimo).

Dada a atual realidade, imagino que conhecer a letra de alguém fora das obrigações de escrita é um baita sinal de intimidade. Será que teremos novas gerações que não conhecerão nem sua própria letra e que jamais sofrerão da ansiedade de ter caderno de 10/20 matérias e começar a escrever nas aulas com caneta?

P.S.: Na especialização, descobri a praticidade dos velhos cadernos pequenos. Cabem em todo lugar, pesam quase nada e são uma ode ao não desperdício das folhas e de espaço nas próprias folhas. Abandonei os grandes, embora ainda tenha alguns de uma coleção. Também uso muito rascunho. Quem sabe eu não retorne a eles - os cadernos grandes - um dia?

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