"Não sei mais andar por aqui. Ainda bem que vocês chegaram", foi o que nos disse uma simpática aluna de uma das turmas da década de 1970 - acho que 1974. Na época dela, não existia nem o Henrique Castriciano, quanto mais a Uni, onde deixamos o carro para participar da comemoração dos 105 anos da Escola Doméstica de Natal no dia 1.° de setembro. E lá fomos as três conversando sobre as mudanças na estrutura física da centenária escola que sempre conservará um quê de D. Noilde Ramalho, a eterna diretora.
Ao alcançarmos a resistente cantina, nossa interlocutora confessa que se escondia por ali com as amigas para fumar, a grande praga de sua década de formação. Minha geração era bem mais careta na década seguinte. Estudei de 1986 a 1994 na Escola Doméstica. Da 1.a série ao 1.° ano. O máximo que fazíamos era gazear uma aula perdida no ano para bater papo.
Lembro que o primeiro contato com D.Noilde aconteceu logo no meu primeiro ano de escola. Minha turma inteira levou um "carão" por sermos do primário e estarmos brincando no parquinho do jardim.
Já o último contato aconteceu no último ano de escola. Perdi muitas aulas naquele ano por mil motivos, talvez o maior deles a desmotivação, mas D. Noilde me pegou num dia em que faltara aula e, mesmo assim, apareci para o treino de basquete. Só que quase ninguém conseguia brigar comigo. É que nunca mentia. Sempre me denunciava quando a coordenadora Dione aparecia querendo saber quem estava em pé na sala antes do(a) professor(a) entrar. Também como era a única a assumir, não era punida. Muito pelo contrário, minha palavra era bastante considerada.
Voltando ao meu último encontro direto com D. Noilde, ao saber que eu havia faltado para ir ao médico, ela se despediu de mim com uma doçura, que terminou com a mão sobre minha cabeça e um pedido de "mais atenção, minha filha".
Nesse último ano, era a coordenadora Ana Maria quem tinha que lidar com a minha necessidade de sair da sala por alguns segundos entre uma aula e outra, algo proibido. Quando no 1.° grau maior, ou ginásio para os mais antigos ainda, a coordenadora Dione já olhava para mim com o braço esticado me mandando voltar para a sala, ao que eu sempre respondia: "Mas, Dione, você nem perguntou por que eu estou aqui, se eu estou bem, se estou com dor de cabeça..." O riso era imediato, mas a ordem permanecia.
Ana Maria era mais estressada. Para piorar, sua sala era coladinha na minha. Era botar o pé para fora e ouvir um grito para voltar. A minha turma - pela primeira vez a junção das turmas C e D - ficava então de dentro da sala e colocando o pé para fora, dizendo para ela que dava choque pisar ali. O nível de sufocamento para mim aumentou demais. Também foi o ano em que a cabeça começou a querer novos horizontes após minha primeira estada nos EUA. E aí juntando tudo, decidi que era hora de buscar motivação em outros ares no fim daquele ano.
Saí da ED, mas a ED nunca saiu de mim. É de lá que veio toda a minha sólida formação educacional e as melhores lembranças de minha vida escolar. Foi lá que aprendi a ter todo o cuidado com a natureza, a não jogar lixo no chão em hipótese alguma, a andar com a farda impecável e que educação vai muito além do que vem nos livros. Lá aprendi que escola é um local grande, verde, agradável, com biblioteca, centro de ciências, aulas de tudo que se possa pensar na vida, o que inclui nutrição, costura, cozinha, puericultura, etiqueta. Sempre foi uma escola à frente de seu tempo nos serviços educacionais que entregava. Foi lá que fiz amizades com gente do Brasil inteiro. Lá eu aprendi a jogar vôlei, queimada, basquete. Lá também conheci os mais variados tipos que formam uma sociedade, desde pessoas fúteis a gente para amar para sempre.
Ontem voltei como ex-aluna assumida pela primeira vez. Antes disso, já havia estado fisicamente por lá, mas não nas comemorações. Reencontrei apenas uma colega de classe, Ana Paula, que estudou comigo até a 6.a série. Hoje está em Mossoró.
Encontrei várias contemporâneas muitas de séries acima, algumas abaixo. É que outro meio de interação era pegar ônibus. E pegar o BT para o Mirassol, verdadeira viagem por dentro do campus da UFRN também me aproximou de gente das séries acima, como Liane e Lúcia, que terminaram pouco depois de eu estar no 1.° grau maior, e Lucila, atual diretora, que era de duas séries acima, a turma de Janaina, com quem também joguei basquete, embora eu fosse uma medíocre jogadora que tentava compensar isso com arremessos de 3 pontos e Janaina, a verdadeira dona do time, atleta ouro e Seleção do RN. Aliás, do basquete, também reencontrei Zaíra, de uma ou duas séries abaixo.
Esporte também era motivo para interação e o gosto pelo vôlei antes da aula me fez conhecer muita gente boa do Henrique Castriciano. Pena que o pessoal do HC não tenha a mesma vibe para reuniões que as meninas da ED.
A comemoração deste ano era especial para mim. Participei do desfile dos 75 anos da ED que foi até o centro da cidade em 1989, então aluna da 4.a série. 30 anos depois senti uma vontade enorme de participar do mesmo desfile, embora hoje as coisas sejam bem mais animadas, com direito a trio elétrico com Jaína Elne, e o desfile tenha sido de Tirol a Petrópolis. Para completar, também a turma de Janaina completava 25 anos de formada. Sim, formada mesmo. Além de 2.° grau, Economia Doméstica. E a turma dela teve como madrinha ninguém menos do que a escritora Rachel de Queiroz, é mole?
Aquele velho clima de cumplicidade e companheirismo que somente uma escola exclusiva de mulheres tem estava lá o tempo todo. Havia bebida, mas não havia confusão. Havia calor, mas ninguém perdeu o juízo. Havia uma enorme irmandade, independentemente de a qual geração cada uma pertencia. Uma senhora à minha frente segurava o estandarte da turma de 1956. Sentamos à mesa com ela mais tarde num papo maravilhoso. Até sobremesa todo mundo que estava ali dividiu.
Fiquei encantada com a preparação da turma de 1979, ano em que nasci. As meninas arrasaram na decoração e na animação.
Aquela fazendinha, hoje chamada sede campestre, eu visitei uma única vez, há 33 anos, num piquenique da 1.a série, no meu primeiro ano na escola. E só. Voltar ali ontem também foi especial.
Não sei dizer quantas mulheres havia ali de todas as idades. Era muita gente mesmo, mas só havia espaço para animação. Chegamos antes das 9h e fomos embora às 17h, mas a festa dava toda a pinta que ainda ia muito longe, vez que o show de Luizinho Nobre acabara de começar. Era minha energia que dava os últimos suspiros, mesmo tendo tomado vários espressos 3 Corações a tarde inteira.
Só posso parabenizar Márcia Marinho por todo empenho em manter essa reunião anual no aniversário da escola. Não tenho do que reclamar, apenas aplaudir.
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