As eleições deste ano estão cheias de candidatos - alguns muito doidos - e ainda assim muita gente não se sente representada. É compreensível. Afinal, quanta gente não acreditou que a questão era colocar o partido certo ou a pessoa certa em determinado cargo e então estaríamos livres da corrupção? Talvez um dia consigamos entender que os políticos nada mais são do que reflexo do que somos como sociedade. Será que de fato evoluímos para não gostarmos mesmo do que vemos no espelho da política?
Ontem, por ocasião de um aniversário na família, dei de cara com o rosto da ilogicidade. Não esperava vê-la assim, tão materializada na minha frente. Vi. Não sabia nem como reagir, mas aí sempre apelo para o meu lado educado. Sempre.
Acredito que todas as famílias tenham suas divisões ideológicas. Há os progressistas, os conservadores e até os reacionários. Mas ontem encontrei uma pessoa declaradamente eleitor de Lula, mas que apoia as ideias de Bolsonaro - o que indicaria seu voto em outubro - dentre elas a absurda tese de que mulher tem mesmo que ganhar menos do que homem por causa da licença maternidade. Estou acostumada a lidar com eleitores de Lula que demonizavam Bolsonaro e eleitores de Bolsonaro que demonizam Lula. A versão híbrida me chocou. Como conciliar duas visões aparentemente opostas de sociedade? Só mesmo a identificação com o populismo, essa chaga que traz a ilusão de que um líder messiânico é capaz de trazer prosperidade a um país, pode explicar.
O pior é ver como esse tipo de pensamento a respeito das mulheres revela o tratamento que esse pessoal acha que nos cabe. A mulher é proibida de abortar (afinal, somos todos a favor da vida, porém a favor da pena de morte. Se não entendeu, não se preocupe, eu também quero entender), mas é um estorvo porque tem que amamentar (embora a "conta" seja do INSS). De repente, viramos uma sub-categoria. Devemos ficar socadas em casa, no trabalho doméstico, aquele que nos cabe pela natureza, que nunca tem fim, nem férias, nem 13.º salário, nem auxílio-doença e obviamente não é remunerado. Ah, esqueci que esse já nos cabe. Enfrentamos esse mais a jornada de trabalho que os homens também enfrentam. E ainda damos o peito para amamentar. Trabalhamos o dobro, o triplo, para, quem sabe, termos pelo menos a metade do reconhecimento. Isso se tivermos a chance de trabalhar, porque os empregos pertencem naturalmente aos homens. Afinal, lugar de mulher é bem caladinha, apoiando o marido defender ideias que pensávamos que há muito estariam superadas pela evolução humana, exatamente como presenciei ontem.
Se isso é feito com a maioria da população brasileira - sim, mulheres -, nem gosto de pensar o que se aplicaria a minorias, como gays, transgêneros, nordestinos...
O choque de ontem só me mostrou o perigo que as eleições deste ano representam. O mesmo brasileiro que é fã de Lula pode votar em Bolsonaro. Votos por paixão, sem qualquer preocupação com capacidade efetiva de tirar o país da interminável crise em que ele se encontra. Pior: com grande potencial para aumentar a triste divisão nós x eles que teima em jogar o Brasil na pasmaceira.
O que vimos a partir de 2014 foi só a ponta do iceberg. E os brasileiros que preferem não votar, (brancos, nulos e abstenções) são chamados a assumir a responsabilidade de um futuro menos sombrio do que o que vem se desenhando desde então. Há mais de uma dezena de candidatos, cada um com determinado potencial destrutivo, uns bem mais do que os outros. Se não temos a política que deveríamos ter, não adianta apelar para o bispo, o pastor ou a entidade do candomblé: nós temos que arregaçar as mangas, analisarmos os perfis postos para escolha e votarmos no que demonstre um mínimo de capacidade de arregimentar forças para que o Brasil volte a ser um país que trate sua população com respeito e dignidade em todos os setores de nossas vidas, não a selva em que estamos jogados hoje.
Uma única pessoa não vai resolver. Um único partido não vai resolver. Todos os partidos não vão resolver. As forças armadas e polícias não vão resolver. Somente a nação tem essa capacidade. A mudança tem que começar no nosso dia-a-dia. Que tal começarmos a enxergar que todos temos direitos e deveres? Que ninguém é melhor do que ninguém? Que profissão não é status? Que dinheiro não é fim, mas meio? Que a minha opinião tem o mesmo valor em essência que a sua? Que o nosso tempo está passando e o estamos desperdiçando numa corrente horrorosa de ódio explícito, gratuito, constante?
Voltando às eleições, preste atenção, mas muita atenção mesmo, no voto que vai para o Legislativo. Pelo amor de Deus, não vá votar num candidato de um partido e escolher gente de outro partido na eleição proporcional. Não comece elegendo um(a) presidente ou um(a) governador(a) que vai ter minoria no Poder Legislativo, dando azo às negociatas tão bem reveladas por operações como a Lava-Jato.
Não sejamos nós os que vão dar rosto à ilogicidade. Vamos agir agora por um futuro iluminado, sem as trevas da Idade Média a nos atormentar. Ou aumentemos o nível dos lamentos depois.
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