sexta-feira, 10 de agosto de 2018

"Nós temos um perfil do treinador"

Ontem, Gustavo me avisou pelo Twitter a respeito de entrevista do executivo de futebol do América Armando Desessards no programa Universidade do Esporte, da Universitária FM (88,9), com comando do professor Fernando Amaral.

Primeiro, não sabia a respeito do ótimo programa, que vai ao ar nas segundas e quintas às 20h (esse horário na quinta me mata!). Todos os que fazem o programa demonstram interesse de verdade em produzir conteúdo de qualidade (é a nossa UFRN, né?) e aqui deixo meus parabéns.

Segundo, pude acompanhar posteriormente porque o programa disponibiliza seu conteúdo ao vivo no Facebook, onde o vídeo permanece para reprodução, uma demanda dos novos tempos.

Terceiro, foi de longe a mais clara entrevista sobre o profissional Armando Desessards e é claro que eu não vou deixar de passar para cá os principais trechos. Mas desde já recomendo que o vídeo em questão seja assistido para conferência de que como as perguntas foram bem postas e com argumentos interessantíssimos a abrilhantar as respostas do entrevistado.

 Acerto com o América
Estava no mercado. Saí em dezembro do Brasil-RS, não pude assumir nada. Saí por uma questão particular que eu precisava resolver. Quando eu entrei no mercado, a gente divulga para os colegas, e a direção estava procurando, e um colega que eles procuraram citou meu nome e aí começou a conversar, como outros profissionais. Eu não fui o único que eles contactaram. Começamos uma conversa e, aí sim, começou a se alongar a conversa e acabou ficando só comigo. (...) Vinha conversando há mais de um mês com a direção, principalmente com Eliel, vice-presidente de futebol. Deixamos para finalizar as conversas aqui. Não cheguei contratado já. Acompanhei tudo antes, tomei pé da situação, e não é uma situação muito diferente da de muitos clubes do futebol brasileiro. Nós temos duas divisões que são financeiramente viáveis, que são a Série A e a Série B; são apenas 40 clubes que ocupam essas vagas e tem uma quantidade de clubes em busca de chegar lá, de desbancar um desses 40. Entre esse monte de gente que tenta desbancar, você vai ter muito clube grande, com tradição, com história. Primeiro porque é muito difícil mesmo até pela questão numérica. E segundo, a dificuldade financeira da maioria dos clubes tem feito dessa jornada uma saga. E claro que também por muitos pecados que muitos clubes cometem em suas gestões, o que não é particularidade de ninguém, porque são clubes, são agremiações, e trata-se muito com paixão nesse país e, acredito, em muitos lugares do mundo. Então, por essa série de coisas, é uma situação normal no futebol brasileiro e que justamente faz o grande desafio que é voltar a crescer, voltar a estar numa divisão rentável, numa divisão que seja compatível também com a grandeza do clube.

Começando do zero
Em termos de elenco, sim, porque existem dois atletas hoje remanescentes: o Danilo, que está no Cuiabá, e o outro foi um zagueiro que eu não tive o prazer de conhecer porque ele não está atuando [Richardson]. E demais atletas meninos que estavam no elenco de profissionais que estão juntos ao  sub-19, que está treinando visando o campeonato estadual da categoria, que começa agora no sábado a sua segunda fase, e a Copa do Nordeste sub-20.

Bases e profissional
Temos hoje um pessoal muito competente lá na base. Está se restruturando o departamento de base com a chegada do Jocian e alguns profissionais que estavam na equipe principal, que por nós não termos atividade agora, estão lá dando uma assistência. É claro que a ideia da direção, a ideia do presidente Eduardo é uma construção homogênea, olhando para o todo, mas obviamente respeitando o trabalho que lá está sendo feito e procurando principalmente concatenar os planejamentos para que haja sincronia.

Planejamento e continuidade do trabalho
Nós discutimos sempre no Brasil de Pelotas o que que vem antes: é o ovo ou a galinha? Nós tivemos continuidade porque tivemos resultado ou tivemos resultado porque tivemos continuidade? Não adianta ser hipócrita no futebol brasileiro - se não tiver resultado, não tem continuidade. Nós chegamos a essa conclusão de que nós tivemos continuidade por causa do resultado. E precisa sempre a bola entrar. Pode ter feito o melhor planejamento, pode ter tido as melhores intenções, se a bola não entrar, a continuidade fica comprometida. (...) O planejamento na minha concepção tem 3 vertentes. Uma delas é o tempo de trabalho. Nós não tivemos esse tempo. E, quando eu falo tempo, estou falando de um, dois, três anos. Não são quatro, cinco meses que vão caracterizar um bom tempo de trabalho. Você vai observar, se for olhar os times que normalmente ascendem da D para a C, são times que tiveram essa continuidade. Vocês têm o exemplo próximo aqui, que é o Globo. Times que mantêm elenco ou base de elenco e vão qualificando aqui ou ali em situações pontuais. (...) Essa vertente nós não vamos ter. A outra vertente é investimento. [N]essa eu não consigo atuar. Essa vem da direção e todos sabem que é limitada pela própria circunstância de competição que a gente vive. E a terceira vertente, que é onde eu posso atuar e vou atuar, é na qualidade do trabalho. Essa qualidade do trabalho vem nesse momento, (...) esses três, quatro meses que a gente tem antes da apresentação, para ter muito cuidado, muita acuidade nas contratações, procurar buscar o máximo de informações possíveis, concatenar o máximo com o modelo de jogo que o treinador vai adotar e, no segundo momento, dentro dessa qualidade, escolher um treinador que vá realmente ter um processo metodológico e vá conseguir extrair um resultado melhor. Então é a única vertente [em] que eu consigo atuar dentro do planejamento, na qualidade do trabalho. (...) Neste momento nós temos um perfil do treinador. Estamos terminando de pensar esse perfil e justamente tem que ser um treinador que esteja de porte ou usando essa metodologia nova que está no futebol brasileiro hoje e que já está há mais tempo no futebol mundial. (...) Um cara atualizado e consequentemente, ou paralelamente a isso, um cara que tenha naturalidade de trabalhar com jogadores jovens - quando eu quero dizer isso, não só os oriundos da nossa base, mas também com alguns jogadores com potencial.

Risco que o clássico representa
Desde muito novo, conheço bem o que é uma rivalidade. Comecei minha carreira no Grêmio. Fui treinador da base do Grêmio de todas as categorias durante três anos. E a gente tinha uma frase que a gente usava muito na semana do GreNal. Você olhava um para o outro e dizia: "Ah, um jogo igual aos outros nessa semana", sempre ironizando essa rivalidade. (...) Não é, é um jogo completamente diferente. Então é uma característica do futebol brasileiro que acaba com o planejamento, distorce visão, mas ao mesmo tempo eu costumo dizer que o que mantém vivo o futebol brasileiro é a paixão, a única forma, eu não consigo ver outra maneira como nós conseguimos competir com o futebol europeu com cifras completamente diferentes, extraordinárias. O que mantém essas camisas tão fortes é essa paixão do nosso torcedor. Você nunca vê na Europa caras chorando, se matando, se suicidando por causa de clube de futebol. Então essa paixão gera toda essa relação com o clássico. 

Pressão dos dirigentes
O dirigente eu classificaria em dois grupos. O dirigente de clube grande que está numa situação difícil tem um contexto muito diferente. Ele é pressionado diariamente. Ele tem a pressão tanto dentro do clube como no seu dia-a-dia. Isso torna muito difícil não ceder às pressões. É claro que a luta do profissional, e eu sou um profissional da área, a luta do profissional é sempre tentar achar um bom termo. É minimizar esse processo de paixão procurando racionalizar ao máximo as ações do dia-a-dia dentro do clube. Mas sempre o poder decisório, a caneta como a gente fala, está no torcedor, no dirigente estatutário, e a gente tem que respeitar essa decisão porque essa decisão é fruto de um processo histórico. Esses caras construíram os clubes. Os clubes existem hoje por causa do dirigente apaixonado, do torcedor. E eles representam a torcida. São representantes da torcida. Cabe a nós sempre procurar ponderar e achar o bom termo. 

Impaciência com jogador da base
É um fenômeno de muitos clubes, não é uma exclusividade do América isso de não saber lidar com a base. A base, mais do que o profissional, a questão do tempo é vital. Para a minha alegria, eu encontrei um bom trabalho de base, hoje um bom investimento que está sendo feito na base hoje do América. Não vamos entrar em "ah, por que tal profissional não está jogando?". A ideia do presidente é valorização da  base. Isso é o suficiente? Não é. Se daqui a três anos esse trabalho perdurar, aí sim nós vamos ter um resultado importante. Base demanda tempo. Não tem outra forma de fazer categoria de base. E isso, dentro das dificuldades financeiras do dia-a-dia, demanda tempo e requer investimento. Você está ali, você tem que pagar uma folha de 200, 250 mil, 300 mil  na segunda, você vai designar 50, 60 mil para os moleques, lá para a base que não vai aparecer amanhã? (...) As dificuldades do dia-a-dia colocam as bases às vezes no segundo plano. Felizmente hoje os dirigentes - e o presidente Eduardo está com essa visão - estão realmente entendendo como um investimento como os grandes já entenderam, porque essa ideia há pouco tempo atrás era a mesma coisa que acontecia no clube grande. Flamengo deixou de ser um grande revelador por anos. O Corinthians até hoje não faz jogador. O Corinthians investe milhões na base e quem é que está jogando no time de cima? É um ou outro que está jogando no time de cima. Palmeiras aproveitou dois no ano passado. (...) A base é um ativo para fazer caixa. Hoje o Brasil tem que racionalizar e, por mais que isso doa, o jogador é uma commoditie. O Brasil fornece o cara com 16, 17 anos para a Europa. Ele está levando a matéria prima, ele não está levando o jogador pronto, ele não está levando a gasolina, ele está levando o petróleo para lá. (...) Nos últimos dez anos, o Juventude teve um quarto de suas receitas oriundas da comercialização de atletas. (...) Fazer o que o América está fazendo hoje é importante, mas mais importante é se fizer isso continuadamente. 

Profissionalização da gestão
Primeiramente, a minha vinda já é uma profissionalização do departamento de futebol. Acho que tem essa tendência. A profissionalização de tudo é uma questão de tempo e também de investimento. O profissional, na própria essência da palavra, é remunerado e o mercado define os seus valores. Conforme for melhorando suas questões de receita, certamente [o América] continuará com esse processo de profissionalização.

Experiência
Sou um profissional que tem formação acadêmica, mas uma formação prática. Trabalhei em muitos clubes com muitas dificuldades. Muitas dificuldades. Vou dar só o exemplo que está em voga aí, que é o Ferroviário. O Ferroviário ganhou a Série D? Ganhou. Não foi nem acesso, que já seria fantástico. O Ferroviário um clube com extrema dificuldade, mas extrema dificuldade. A gente tinha situações que o América ainda nem pensa em passar. Um local adequado para treinar. O Ferroviário não tem local adequado. O único campo que tem, eu brinco com isso, e é literal, o campo funcionava das 7h às 7h. Às 7h da manhã começava a escolinha. E não podia abrir da escolinha porque era uma das principais fontes de receita. O Ferroviário tinha 300, 400 alunos na escolinha das 7h da manhã às 9h. Na hora que saía, entrava o profissional. O profissional saía, começava a escolinha da tarde, da 1h às 3h. Das 3h às 4h, sub-17, sub-18, sub-20 até o profissional voltar. Se o profissional não voltasse, a base ficava até o final do dia. Então, são dificuldades enormes que todos os clubes vivem. (...) Não é a peculiaridade, não é uma exclusividade do América a dificuldade que nós estamos vivendo. A maioria dos clubes brasileiros passa por essa dificuldade pelo menos em determinado momento da vida. O Juventude, que hoje está na B de novo, foi Série A há pouco tempo, mas foi muito em função de uma parceria com a Parmalat, por ter a origem italiana. Era fictício aquele time da Série A do Juventude, não era real, não era fruto do seu torcedor, da sua agremiação, era fruto de um dinheiro externo, injetado por outros motivos. Mas um clube, um torcedor acostumado à Série A - imagina 10 anos na Série A, daqui a pouco eles estavam sem série. Imagina o choque para esse torcedor. E foi um clube que penhorou seu centro de treinamento, teve dificuldades enormes e está conseguindo se reerguer. Agora sim, um trabalho em cima das suas potencialidades, em cima do seu torcedor, daquilo que o torcedor pode oferecer. Então todos os clubes brasileiros em determinado momento, guardada a sua proporção pelo seu tamanho, passam por dificuldades. 

Torcedor de volta
A minha área é a principal para trazer o torcedor, é tentar fazer o melhor dentro de campo porque o melhor atrativo para o torcedor ainda é a performance da equipe. E ajudar. Ainda hoje tive uma reunião importante com Antonio, que é do nosso marketing, me colocando à disposição para fazer qualquer ação que ache importante tanto com o torcedor como junto aos patrocinadores porque eles junto com o torcedor são quem mantém aqui. E [n]o dia-a-dia estar sempre à disposição. Não posso ter interferência em outras áreas porque existe um organograma, existe uma delegação de função que o presidente determina, agora, acredito na colaboração entre todos para que se consiga achar o melhor para o clube sempre. 

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