quinta-feira, 3 de maio de 2018

Deprimente

É o mínimo que se pode dizer do embate entre um profissional de imprensa e um ex-dirigente do América ao vivo nas ondas do rádio.

Profissionais de imprensa não deveriam ter questões pessoais com dirigentes de clube. Também não deveriam ser/parecer assessores de imprensa de clube tal ou dirigente qual. Mas o que ainda vemos aqui em Natal são caixas de ressonância de X ou Y. Quer saber o que fulano pensa? Leia ali. Quer saber o que cicrano acha? Ouça ali. Quer saber o que beltrano entende? Assista ali. É desse jeitinho: todo mundo sabe pela boca/caneta de quem cada um fala.

No espetáculo desta noite (acompanhei o que a internet deixou), um ex-dirigente foi a um programa de rádio para confrontar as informações - graves, diga-se de passagem - apontadas por determinado profissional da emissora. Para minha surpresa, o profissional preferiu entrar em bate-boca. Datas, fatos, provas, como se espera de quem aponta coisas tão graves ficaram em segundo plano. O profissional preferiu reforçar suas qualidades, segundo ele próprio, e, pior, fazer insinuações ainda mais graves sobre o ex-dirigente.

Pior ainda, ambos usaram um mesmo ex-dirigente do América para corroborar a informação a respeito de quem seria o empresário de um jogador. 

Não é de hoje que reclamo da postura da imprensa daqui. Insinuações não combinam com profissionalismo. Ouviu algo escabroso? Vá fundo na reportagem! Jornalismo investigativo já derrubou até presidente dos Estados Unidos. Mas repassar o que ouviu de X ou Y sem a devida apuração é servir de bucha de canhão, o que nem de longe remete ao belo trabalho de reportar fatos, mais parecendo aquela velha brincadeira infantil de telefone sem fio.

Já sobre o América, o espetáculo deprimente cumpriu pelo menos uma função grandiosa: não há e nem nunca existiu essa fantasiosa união que tanto propagam os dirigentes. Há tempos que bato na tecla que essa falta de eleição é muito, mas muito maléfica mesmo para o clube. Oposição faz bem em qualquer democracia porque fiscaliza a situação e faz com que esta queira mostrar serviço. Mas o América é uma associação que pertence a poucas famílias e que não tem eleição há uns 20 anos! 

Toda eleição tem o mesmo roteiro. Ninguém aguenta mais a dureza do cargo e  todo mundo quer o surgimento de novas forças. Mas basta surgir um candidato sem sobrenome tradicional para que surja um outro como representante do consenso e a eleição acabar em aclamação.

E nesses consensos de uniões construídas com muitos sorrisos falsos e facas apunhaladas pelas costas, uma instituição centenária vê sua tradição sendo diminuída à condição de coadjuvante de competições pequenas, muitos menores do que a sua história de grandes feitos no futebol brasileiro.

A imprensa de Natal (eis uma generalização que, como tal, tem exceções) parou no tempo. O América parou no tempo. Ainda vivemos o futebol das décadas de 80 e 90, quando as coisas eram decididas numa sala por poucas pessoas. 

O América e a imprensa resistem a aceitar os novos ares. Ambos não percebem a audiência minguante. Ambos não se dão conta de que hoje transparência é uma necessidade de todo e qualquer cidadão. Não dá para virar as costas para a torcida/audiência porque isso é o que deseja o patrocinador do programa/clube. A cobrança atualmente é amplificada pelas redes sociais, que deram voz ao cidadão comum, que se achava impotente antigamente.

Como torcedora do América, espero que o clube saia da Idade da Pedra e aceite a realidade de sócios torcedores com voz ativa na eleição. Mas até isso - eleição - precisa voltar a ocorrer no clube. É preciso que as pessoas tenham coragem de vestir a camisa de oposição para que as coisas se tornem mais transparentes. Democracia nunca fez mal a qualquer sociedade ou instituição. É sempre engrandecedora, mesmo nos momentos difíceis de aprendizado.

Como leitora/ouvinte/telespectadora, espero profissionalismo da imprensa. Perfeito ninguém é, mas isso não impede que busquemos a perfeição diariamente. Igualzinho à linha do horizonte, nunca chegaremos a ela, mas a sua busca nos impulsiona para frente, a cada dia melhores do que no dia anterior, portanto.

O que ocorreu nesta noite é bem representativo do porquê de pesquisa recente do Datafolha ter apontado o crescente desinteresse dos brasileiros por futebol (a maioria não torce para clube algum). A engrenagem está toda corroída e ninguém parece se dar conta.

2 comentários:

  1. Muito bom ler seus textos. Parabéns.

    Não tomei conhecimento dessa peleja entre dirigente e cronista, tão pouco sei quem foram as personagens. Mas probabilisticamente, no universo Natal, que um destes seja profissional já é difícil, os dois então... improvável.

    Mesmo sem o episódio, o texto já é pertinente. Hoje, tento acompanhar o futebol local, antes conseguia acompanhar. Porque não bastasse o espetáculo, o futebol, o jogo jogado, ser desinteressante, o material produzido pela imprensa local é muito pior. Há quem escape, vemos profissionais que se destacam nos seus veículos, mas assim como o bom jogador no time ruim e a andorinha solitária, sozinhos sucumbem no resultado.


    RMelo

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