segunda-feira, 12 de março de 2018

O Bope e as torcidas organizadas no RN

A Tribuna do Norte desse domingo (página 2 do caderno de esportes) trouxe uma esclarecedora entrevista com o comandante do Bope Coronel Trigueiro. Ele falou sobre os problemas nos estádios, os dilemas da tropa com certas ordens e até orientou torcedores a evitarem sentar perto das organizadas na arquibancada. Segue abaixo a entrevista como publicada (inclusive com as tormentosas ortografia e pontuação).

Qual avaliação que o senhor faz do problema das torcidas no RN?
Aqui e no Brasil a questão é generalizada. Essa questão de torcidas rivais irem aos clássicos, na maioria das vezes para se digladiarem antes ou após as partidas é difícil de controlar. Dificilmente a gente percebe a violência no interior da praça desportiva, devido ao espaço ser fechado e haver um bom número de policiais distribuídos dentro dela. Sábado chegou a ocorrer um problema antes do início do jogo entre ABC e América, quando a torcida americana, mesmo em menor número, tentou invadir a parte reservada aos abecedistas e gerou um princípio de tumulto, que foi controlado. Fora do estádio Frasqueirão não foi registrada qualquer ocorrência devido ao isolamento que fizemos. Os torcedores do América entraram no portão A e chegaram ao estádio pela Engenheiro Roberto Freire enquanto os torcedores do ABC chegaram pela Dinarte Mariz, na Cidade Verde. Com isso não tivemos problemas. Porém contrariando as nossas expectativas houve a tumulto dentro do estádio e tivemos de empregar o uso da força em duas ocasiões para controlar a situação. Se não ocorresse a intervenção no momento certo, poderíamos ter uma grande problema ali.

Da forma como a situação de animosidade entre torcidas se encontra hoje, a força é o melhor remédio a ser empregado contra esse tipo de problema?
O ideal seria a educação, por que se tem de trabalhar o perfil desses torcedores. Quem são eles? Eu sou torcedor, você é, mas a gente não anda um ameaçando o outro com pau de bandeira, pedra, barra de ferro, nem com arma de fogo ou arma branca. A gente tem de trabalhar esse indivíduo que faz parte das ditas organizadas, pois se trata de um camarada muitas vezes já envolvido com crime, trafico de drogas, roubo, assalto e até homicídios. Digo isso por que a gente já viu indivíduos com esse perfil dentro das chamadas organizadas. Nessa questão, tanto aqui quanto fora existem acertos de conta, então é diante desse perfil que iremos saber quem são realmente essas pessoas que fazem parte dessas organizadas. Eu digo pessoas por que são homens e mulheres naquele meio, são mulheres jovens, extremamente violentas, que acompanham seus companheiros ou namorados. A participação feminina nessas questões está crescendo. Como eu disse, a educação seria o ideal, mas no momento e na situação em que nos encontramos, com as torcidas organizadas indo as praças esportivas apenas atrás de procurar briga, criar distúrbios, causar ferimento e até provocar a morte no torcedor do time adversário, infelizmente a força é o único remédio eficaz. Quem esteve no Frasqueirão quando surgiu aquele tumulto, viu que se a Polícia não tivesse agido com rigor, mas de forma equilibrada, a situação teria fugido do controle. Naquela situação eu poderia ter usado balas de borracha, bombas de efeito moral, agente químico, mas nós estamos evitando muito chegar a esse ponto por que eu me preocupo principalmente com as crianças e os idosos que estão no estádio e aqueles que possuem problemas respiratórios. Não abusamos em momento nenhum da força, para não atrapalhar também aqueles que foram ao campo para acompanhar apenas o espetáculo. Essas pessoas não podem ser atingidas. Agora as pessoas que vão para o estádio apenas com a intenção de tocar terror, essas a gente tem de debelar através da força mesmo.

O Estatuto do Torcedor inibe o uso da força policial dentro dos estádios, eles indicam que neste caso a segurança deve ser realizada por agentes privados. O senhor acredita que os seguranças são capazes de controlar os distúrbios nas arquibancadas?
Novamente iremos voltar a questão da educação: mas os ingleses não passaram por isso com os hooligans? Lembra como os ingleses eram violentos? Então tudo passa pela educação. Mas a questão do Estatuto do Torcedor diz que futebol é um evento privado de interesse público e fazendo uma análise digo que é praticamente impossível uma equipe de segurança conseguir controlar um distúrbio dentro do estádio. Principalmente em clássico, aqui no RN sempre terá de existir o reforço do policiamento por que a segurança privada e desarmada de equipamentos não letais ou sub letais, não tem condições sozinha de controlar as nossas torcidas. Sempre volto a educação e cito o exemplo da Copa de 2014, quando não tivemos casos de brigas entre torcidas. Mas qual era o perfil do torcedor que foi assistir os jogos na Arena das Dunas? Naquela situação a segurança privada funcionou, mas o BOPE estava pronto para agir em caso de algum distúrbio. Geralmente o membro de torcida organizada violenta tem um baixo nível de escolaridade, vem de camadas mais baixas da sociedade, alguns praticam delitos e se for investigar a fundo veremos que muitos têm até mandado de prisão decretado. A gente sempre trabalha o perfil de público que é destinado ao evento para traçar nosso plano de trabalho e o equipamento que será utilizado. Inevitavelmente no Brasil, devido a nossa falta de educação, a Polícia ainda vai ter muito trabalho nos estádios. Sem a PM infelizmente não se têm o controle da massa, o que na verdade os vândalos respeitam é o poder de polícia que nós temos, de poder tirar a liberdade dele. O Estatuto do Torcedor foi feito dessa forma por conta de a Polícia já ter agido muitas vezes dentro dos estádios, tendo de usar armas químicas e provocando alguns efeitos colaterais, causando a sensação ruim em quem não tinha nada a ver com o tumulto.

Como a Polícia chega para acabar com o mal, dando uma dose de remédio amargo e reclama que nunca é escutada antes de qualquer definição das autoridades. Pergunto: Alguma autoridade envolvida nessas questões já chamou a PM para saber que tipo de solução se pode dar a esse problema da violência nos estádios?
A gente seguindo o exemplo de São Paulo, o que sugerimos é torcida única. Por exemplo, se no sábado fosse seguida a orientação da PM e colocado torcida única no Frasqueirão, eu acredito que o estádio iria receber um número bem maior de pessoas. Os pais iriam poder levar seus filhos, já que o risco de confrontos estaria minimizado.

Essa questão de torcida única não evitou problemas no Ceará, onde duas facções do Fortaleza não podem se cruzar e têm de ficarem distantes uma da outra nas arquibancadas e no Rio, onde as várias facções da torcida do Flamengo brigam entre si. Esse problema não pode vir a se repetir aqui no RN?
Aqui a gente ainda não registra briga interna dentro das próprias torcidas, mas como tudo que é ruim costuma virar moda pode ser que venha a ocorrer no futuro. Afinal pode ocorrer dissidência em tudo. Por enquanto ainda estamos livres desse mal, mas a gente sabe que torcidas de mesmo time as vezes não podem se encontrar, o que nos faz deduzir que esse camarada não está muito interessado em futebol, sim em provocar distúrbios, cometer homicídios. A frustração conta muito nessas pessoas, algum objetivo que ele não alcançou na vida ele desconta toda essa frustração no próximo quando encontra a oportunidade. Como eu posso querer fazer mal a uma pessoa que eu nunca vi na vida? Só por que você torce por um clube e eu por outro, isso é violência gratuita. A gente que acompanha a torcida de futebol recomendou a torcida única no clássico pensando apenas na segurança do próprio torcedor.

Existem uma gama de agentes públicos de segurança envolvido num jogo de futebol, mas geralmente é apenas a instituição da Polícia Militar que sai arranhada, caso haja com rigor ou deixe de agir. Como é que vocês convivem com isso?
A nossa imagem sai arranhada por que é a gente quem aparece. Sempre quem aparece, dependendo da situação e a atitude que vier a tomar, ele vai aparecer para o bem ou para o mal. Eu já com 26 anos prestados na Polícia Militar me acostumei, mas os jovens policiais ainda ficam um pouco frustrados. É como se fosse aquela pessoa que faz de tudo para agradar a outra, compra um presente bacana e, ainda assim, é tratado com desdém. É como uma sensação de ingratidão. Eu não vou a um estádio de futebol com a intenção de estar dando tiro de bala de borracha e nem jogando granada de efeito moral na cabeça de ninguém. E me preocupo principalmente com criança e idosos, criaturas de pouca defesa que num tumulto generalizado não vão conseguir se salvar. A gente se preocupa com tudo isso, também sei que na instituição existe gente ruim, como existe em qualquer lugar. O Batalhão de Choque é uma unidade muito discriminada por que é aquela que lida com caos e a destruição, a gente só chega para resolver. O Batalhão de Choque não conversa por que  é uma natureza da unidade. Tem outros setores da PM para fazer isso, negociar, a nossa natureza é debelar distúrbios, impor controle a situação.

Essa situação não ocorre por que o BOPE é muito usado contra a própria sociedade?
É difícil a gente lidar com esse sentimento de gratidão por parte da sociedade, por que por exemplo, uma das ocorrências que detesto ir: votação extraordinária na Assembleia Legislativa. Como é que eu boto um Choque da Polícia Militar para proteger um prédio que é público, pertence ao povo, mas eu não posso deixar o povo entrar. Mas esse povo vai entrar ordeiramente ou vai bagunçar? Ele vai quebrar vidraça, depredar o prédio que é dele também como povo, vai tentar agredir os deputados? Como eu cumpro ordem, eu tenho de proteger o prédio e, se não o fizer, corro o risco de responder penalmente por omissão ou prevaricação. Mesmo sendo um prédio público e agindo contra o próprio povo.

Então em certas ocasiões vocês são obrigados a conviver com dilema?
Isso realmente é um grande dilema, mas torcida de futebol para mim é o mínimo. Na torcida organizada não, eu não tenho pena e estou sendo sincero em fazer essa afirmação. O Batalhão de Choque não tem pena do torcedor que vai para o estádio de futebol bagunçar, criar e praticar violência. O sentimento da ingratidão vem do ponto em que o policial sai de casa para fazer tudo certo e permitir que tudo funcione, mas nem sempre dependendo da ação isso ocorre. Sábado a gente conseguiu evitar um mal maior, conseguiu manter a torcida estabilizada, ninguém saiu ferido gravemente então para mim foi tudo tranquilo. Volto a frisar, eu como comandante d BOPE só me preocupo com criança e idoso, por que cabra velho barbado, com camisa de torcida organizada, de pau na mão, querendo vir para cima da Polícia Militar e de outro torcedor para criar violência, desse cara eu não tenho pena, não tenho o menor constrangimento de agir contra eles. Tenho com crianças, idosos, e mulheres que podem sair machucados enquanto a polícia combate a violência. Então aproveito para pedir as pessoas que, quando forem aos estádios, evitem ficar próximos ou dentro das torcidas organizadas por que basta uma centelha para provocar uma explosão e o Choque vai atuar com firmeza para manter a ordem. Nossa atuação é para manter o ambiente estabilizado é nesse momento que ocorrem aqueles problemas que taxamos como colaterais, quando acertamos um inocente, o que a polícia não deseja. Mas enquanto tivemos atingindo apenas o vagabundo não tem o menor problema.

O senhor disse que está há 26 anos na corporação. Então qual é o ânimo que o policial sai para conter distúrbios em estádios de futebol?
O pessoal vai bem, até por que gostamos de assistir o futebol e também sabemos qual será a nossa missão por lá. Quando a pessoa gosta do que faz pode ser injustiçado, sofrer ingratidão, as pessoas podem até não reconhecer a importância do trabalho que realizamos na rua, mas como gostamos daquilo que fazemos vamos tranquilos. Eu tenho orgulho e me considero um homem de muita sorte por ter a oportunidade de comandar esse batalhão. Como toda empresa, na PM existem os grupos e subgrupos. O Choque, Rocam, a Força Tática são compostos pelos policiais mais compromissados da corporação e numa força de segurança. Essas são as pessoas que convivem mais próximas ao perigo. Tem perigo maior que você estar fardado, em cima de uma moto procurando bandido em áreas de alto risco arriscado até a sofrer um tiro pelas costas? Esses caras não abrem, entram em toda bocada. Tudo para preservar a ordem e dar segurança. Não que os outros não sejam compromissados, mas a dose de compromisso profissional nessas unidades é muito grande. Para entrar o cara tem de passar por um curso de formação e a situação é doída. Quem diabo quer vir sofrer, o cara só sofre aqui por que gosta! Com toda desgraça, a gente acha massa ser da PM e pertencer ao Batalhão de Choque.

A instauração de torcida única não seria uma derrota para o torcedor do bem, que vai ao estádio apenas ver o espetáculo?
Nós estamos pensando na vida e na segurança quando orientamos jogos com torcida única nos clássicos realizados no Frasqueirão. É uma derrota sim, mas estamos pensando na vida e na segurança do público. O bonito é o estádio com as duas torcidas se digladiando, no bom sentido, nas arquibancadas apoiando as suas equipes apenas. Não adianta continuar insistindo, o problema vai continuar mesmo com toda repressão. Para parar é preciso doses de remédios muito radical, mas o Brasil não gosta de remédio radical para atacar esse problema e a tendência é aumentar. Como se pode tratar um câncer com melhoral infantil? Não pode, tem de tratar com quimioterapia. A criação do Estatuto do Torcedor fez diminuir muito a violência, mas ela não parou. Morre gente quase toda semana.

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