Na edição de sábado (página 2), a Tribuna do Norte trouxe um artigo de Thiago Guterres, procurador do Ministério Público de Contas e Mestre em Direito, Inovação e Tecnologia, a respeito da regulamentação do Uber. Achei a opinião do procurador interessante e com alguns aspectos bem diferentes do que vem sendo abordado pela imprensa em geral, Por isso, compartilho aqui o artigo. Vale a leitura.
A péssima ideia de regulamentar a Uber
Por Thiago Guterres
Em 1914, um vendedor de carros de Los Angeles chamado L. P. Draper teve uma ideia. Ao ver os bondes elétricos lotados e as longas filas de espera no centro da cidade, ele pensou em pegar seu próprio automóvel e sair pelas ruas anunciando caronas pelo preço fixo de 5 centavos. A alternativa logo se mostrou mais vantajosa para os usuários dos bondes, que até então monopolizavam o sistema de transporte público da cidade. E assim surgiram os Jitneys (gíria para a moedinha de 5 cents).
Apenas um ano depois, os Jitneys já estavam em mais de 40 cidades dos EUA. Só em Los Angeles, havia 700 veículos que faziam, em média, 150 mil corridas por dia. Para se ter esse número em perspectiva, a Uber realiza, nos dias de hoje, cerca de 157 mil corridas na mesma cidade,
Obviamente, os donos dos bondes não ficaram satisfeitos com os novos concorrentes. Politicamente influentes, começaram a defender a regulamentação dos Jitneys como forma de conter sua expansão. Entre exigências ridículas e caras (como mínimo de horas de trabalho e a fixação de rotas fixas e não lucrativas), as regulamentações foram pouco a pouco sufocando os Jitneys por todo o país até sua virtual extinção ao final da década.
Cem anos depois, a história se repete com a Uber, o aplicativo que permite que qualquer pessoa possa trabalhar como motorista. Taxistas do mundo inteiro pedem por sua proibição ou rigorosa regulamentação. No Brasil, como a tentativa de proibir o aplicativo vem sendo rechaçada pelo Judiciário, vai ganhando força a ideia de regulamentar.
O que muita gente não consegue perceber é que toda regulamentação vem com uma boa dose de proibição. As inúmeras exigências só dificultam a entrada de novos concorrentes e encarecem o serviço para o consumidor. E nem sempre isso significa aumento da qualidade do serviço. Uber, Netflix e WhatsApp são todos serviços desregulados com altos níveis de satisfação de seus usuários. Não se pode dizer o mesmo dos congêneres devidamente regulamentados, como táxis, serviços de TV a cabo e operadoras de telefonia. Em mercados competitivos, é o medo de perder o cliente, e não uma lei, que faz o serviço melhorar.
A falta de lei também não implica em ausência de regras mínimas de qualidade e segurança. A Uber é um exemplo disso. A empresa tem um sistema de checagem de antecedentes criminais dos motoristas e um código de conduta com tolerância zero para comportamentos discriminatórios ou abusivos. Além disso, os clientes dispõem de um sistema de avaliação e reputação que exige dos motoristas bons serviços constantes, sob pena de suspensão de plataforma. Por isso, os motoristas da Uber se preocupam tanto em abrir a porta do carro, oferecer água e balas e perguntar se o cliente está satisfeito com a temperatura do ar. Tudo isso sem que nenhuma lei obrigue.
Mas o maior perigo da regulamentação é a eventual proibição ou restrição do compartilhamento de carona, algo que a Uber já oferece em algumas cidades com o UberPool. Outros serviços, como Cabify, Blablacar, Fleety e Bora, desenvolvem no país modelos similares para o transporte individual e coletivo, tanto intermunicipal como interurbano. O compartilhamento de caronas é fundamental para termos um número maior de pessoas circulando em menos carros, o que, por sua vez, é crucial para o futuro de nossas cidades.
Alguns historiadores econômicos consideram que o desaparecimento dos Jitneys em decorrência das regulamentações contribuiu significativamente para o modelo de urbanismo que prevaleceu posteriormente, orientado para o automóvel individual. As atuais tecnologias nos oferecem uma oportunidade para correção desse modelo, responsável pelo caos de trânsito e poluição em que vivemos. Mas precisaremos repensar as regulamentações existentes e rechaçar as atuais tentativas de restringir o uso de soluções tecnológicas para mobilidade urbana.
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