quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Angústia persistente

Quando adolescente, eu tinha a solução para tudo. Queria tudo urgente, para ontem. Achava os adultos acomodados demais, tolos demais em alguns casos, cegos demais em tantos outros. Enfim, posso dizer que eu sabia de tudo.

Hoje aos 40 anos penso que a Raissa daquela época tomaria um choque com a visão do futuro/presente. Ainda me reconheço em alguns desses pensamentos, mas aprendi a valorizar pequenos passos. Aprendi também que dinheiro nenhum no mundo compra a tranquilidade, essa sim a chave para a felicidade.

Não perdi a capacidade de me angustiar com as injustiças. Escolhi o Direito por essa inquietação, que persiste. Ou seja, o Direito não me trouxe a solução para tudo, urgente, para ontem, que a adolescente imaginava. Talvez tenha me ensinado que a gente imagina fechar uma porta para a angústia, mas termina abrindo outras diariamente. Lidar bem com isso é fundamental dia após dia.

Quanto ao envelhecimento, a angústia é não saber até que ponto a vida atual influencia nos sintomas presenciados. A cada médica(o), um pequeno detalhe surge a merecer atenção. A memória falha mais do que antes, especialmente a de curto prazo. Seria o uso intensivo do celular ou a máquina humana mostrando desgaste natural? O braço empurra cada vez mais para mais longe as coisas em busca de foco. Reflexo da velha hipermetropia junto com a realidade dos 40 anos ou coisas independentes? A pré-diabetes é mesmo genética ou fruto de uma vida de excessos, em especial de guloseimas?

Numa coisa eu tive arrego. Há anos não podia mais caminhar por sofrer com intensas dores. Fui obrigada a correr porque o passo apressado da caminhada queimava e imobilizava as pernas. Até ter uma fratura por estresse no pé, que me acompanha sem o devido tratamento, que também interrompeu as corridas. Depois de muito sedentarismo involuntário, eis que voltei a caminhar como se nunca tivesse tido problema algum. As pernas parecem novinhas em folha. O pé não reclama mais. Não tenho mais do que reclamar nesse aspecto.

Caminhar, lavar louça (sim!), limpar a piscina são atividades que encaro como verdadeiras meditações, especialmente as duas primeiras. Pensando bem, caminhar é minha sessão de terapia. É o momento em que organizo as ideias, discuto meus planos, disseco meus problemas. Nunca perguntei se mamãe e Janaina, esta principalmente, aguentam meu blá, blá, blá, embora a conversa seja de mão dupla. O sol me dá uma senhora injeção de ânimo, mesmo com a fotofobia. O vento gostoso de Natal leva tudo de ruim embora.

Lavar a louça é que é pura meditação. Há um certo ritual para que tudo saia limpinho exatamente como gosto. Isso liberta a mente das outras coisas, ou a organiza de vez.

No caso da piscina, talvez eu seja a única pessoa que entra nela por escolha própria para fazer sua manutenção, se bem que Janaina também faz isso quando reveza comigo. Só isso já relaxa qualquer mente porque serve também de exercício. Neste caso, aproveito o momento para ouvir palestras jurídicas que não pude acompanhar in loco. O conhecimento também alimenta a alma, ainda que eu prefira disparadamente a leitura para tanto.

Por falar em leitura, esta também sofre, não pelo foco visual, e sim pelo mental. Concentro-me ainda que no tumulto, mas hoje não tanto mais como na adolescência. De novo, a angústia: reflexo do uso intensivo do celular ou da idade mesmo? Cheguei ao ponto de ler dois livros ao mesmo tempo. Agora intercalo páginas de literatura (o atual é Les Miserábles, de Victor Hugo, versão em inglês que ganhei de presente alguns anos atrás) com páginas mais científicas/técnicas (o atual é Filosofia do Direito, de Miguel Reale). Ambos clássicos, nada novo. Seria um desejo inconsciente de voltar ao passado ou só reverência a grandes obras?

Como não imaginava nem chegar aos 40 anos, nem menos ainda mudar no que mudei, carrego mais dúvidas. Como estarei daqui a 20, 30, 40 anos? Chegarei mesmo lá? Vou me sentir melhor ou pior do que hoje? Terei a solução para tudo, urgente, para ontem, ou descobrirei que o tempo não importa? Envelhecerei normalmente ou o uso intensivo do celular vai me roubar mais algumas funções?

Aos 40 anos, a angústia de não ter essas respostas é minha companheira. Meu refúgio é saber que não são as respostas que movem o mundo, mas as perguntas. Menos mal.

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