domingo, 16 de junho de 2019

Quem mais?

Imagens: REX/Live Nation

Os olhos e os ouvidos de uma fã são para sempre tendenciosos. Veem e ouvem com a marca do passado ainda presente na alma, para o bem ou para o mal.

Só para dar à coisa o seu real tamanho, se eu tivesse que creditar a um único fato ou a uma única pessoa eu ter o inglês como minha segunda língua, esse crédito seguiria sem qualquer receio para Madonna.

Sabe seus trabalhos ruins? Bem, se existem, e eles existem, também fazem parte da minha coleção. Não desgosto; gosto menos, mas continuo gostando, e até quando não gosto sei que é apenas uma questão de tempo para me adaptar.

Para gostar de Madonna não se pode gostar do lugar comum. Se há uma versão dela que você gosta mais, é melhor nem se apegar. Como boa camaleoa numa carreira que não conhece fase ruim, ela é corajosa o suficiente para despedaçar a casca que agradou e colocar uma novinha, audaciosa em seu lugar.  Achou ruim? Ela não está nem aí. Seguirá inovando, gostem ou não. Nada de se agarrar a uma fórmula de sucesso até que ela se esgote completamente como vários artistas vivem a fazer.

Escrevo esse texto ainda na experiência de ouvir Madame X. Nunca escrevi sobre um disco dela antes. Nem sobre seus shows cuja benção de ver os dois últimos caiu sobre mim nesta vida. Só isso já dá a dimensão do que significa esse novo trabalho da Rainha que redefiniu o pop.

Não sei com o que eu estou mais encantada no novo disco, se com as corajosas inovações, ou o posicionamento político mais adulto de Madonna ou o destaque que The Queen deu à língua portuguesa em várias canções.

O disco tem uma mensagem política forte, como a impactante e inovadora Dark Ballet, além de God Control, Extreme Occident (belo exemplo, na minha opinião, da divisão ideológica atual), Future, e o hino I Rise e vai colocar o mundo para cantar muitos versos em português, como "O mundo é selvagem/ O caminho é solitário", "Eu sei o que sou/ E o que não sou" em Killers Who Aren't Partying, "Aquilo que mais magoa/ É que eu não estava perdida" em Extreme Occident.

Mas o auge do uso do português está no funk ao estilo Madonna Faz Gostoso. Título na nossa língua e até cachaça aparecem na música, que tem também refrão na Flor do Lácio: Eu não nego, ele é safado, e ainda por cima é carinhoso/ Ele faz tão gostoso". A música tem participação, claro, de Anitta.

A alma latina segue com duas participações de Maluma. Confesso que demorei a engolir Medellín. Bitch I'm Loca é a mais pura representante do reggaeton que domina as Américas de norte a sul.

Ainda na linha política, há Batuka, que lembra os cocos nordestinos e é um pouco mais clara na crítica a Trump com "Get that old man/ Put him in jail/ Where he can't stop us".  Sim, Madonna tem ouvidos abertos para todas as influências musicais mundo afora. O fado português - ela adotou Portugal como sua nova morada - também está por toda parte.

Em novas experiências dançantes, I Don't Search I Find, com um "que" distante - bote distante nisso - de Vogue nos arranjos e Justify My Love na parte falada.

Como busca por crescimento espiritual/interior, algo sempre presente desde Ray of Light, a novíssima Looking For Mercy. Lembrando que uma das filhas de Madonna tem nome Mercy, cuja adoção a cantora já revelou ter sido uma intensa batalha emocional.

Claro que há baladas, como Crave e Come Alive, que é uma espécie de antibalada de amor.

Enfim, nunca um disco de Madonna causou em mim o impacto que Madame X conseguiu. É absolutamente inovador de uma forma positiva, é desafiador, é inquietante. Mal posso esperar para ter sua versão original (sim, ouvi no Spotify e num envio pirata de um amigo estimado) em CD e DVD para abrilhantar minha coleção. Afinal, quem mais poderia chacoalhar a própria carreira e os estilos musicais de forma tão genial? Se ouvisse essa minha pergunta, ela certamente responderia à la MDNA: "Bitch, I'm Madonna".

Um comentário: