sábado, 7 de julho de 2018

Novas lições

Derrotas não são de todo ruins. Num aspecto, são mais benéficas do que vitórias - fazem os erros saltar aos olhos.

Aquele fatídico placar de 7x1 já conseguiu fazer pelo menos a seleção brasileira masculina - ainda não dá para apontar isso no futebol brasileiro como um todo - enxergar que organização tática, planejamento, análise de dados, etc., tudo isso exerce papel importante nas conquistas. Acabou aquela história de apenas entregar camisa aos craques e tudo certo.

Quer dizer, era para ser assim. Zapeando ontem pelos canais esportivos e suas chatas análises que mais parecem briga de foice no escuro, parei na ESPN Brasil. Acho que o programa era o Resenhas. Havia um treinador lá com o uniforme do Audax. Estava até prestando atenção no que ele dizia até ele surgir com a pérola: "Definida essa linha de cinco aqui, aí é com a própria natureza".

Um treinador em rede nacional deu o maior exemplo do grave problema do esporte brasileiro - não apenas o futebol, embora o vôlei e a ginástica tenham dado mostras de novos caminhos - como um todo. Por aqui, o máximo que se admite de tática é organizar mais ou menos uma defesa e decidir quantos meio-campistas e atacantes vão compor o time titular. O resto é a natureza quem vai decidir. Como atacar? A natureza decide. Quem deve cair pelas pontas? A natureza decide. Cruzamentos ou toques pelo meio e em que momento? A natureza decide. Como abrir uma defesa? A natureza decide.

É essa noção deturpada de que os gols são obras exclusivas do talento individual que têm relegado o futebol sul-americano a um patamar cada vez mais baixo nas Copas do Mundo. Temos dois bicampeões (Uruguai e Argentina) e um penta (Brasil), mas o último título conquistado foi há longínquos 16 anos. De lá para cá, apenas um deles chegou a uma final (Argentina em 2014). O resto ficou pelo caminho.

É preciso evoluir taticamente. Tite deu mostras de que pode mais. Mas ainda falta esse entendimento de traçar estratégias de ataque e que possam ser modificadas dentro do jogo, não apenas trocando jogadores, porém o jeito de jogar. Dos brasileiros, é o de maior potencial para atingir o feito. Todavia, errou. Errou quando nunca percebeu que era Casemiro que dava sustentação à marcação no meio de campo, com Paulinho e Fernandinho sendo meros coadjuvantes. Errou mais ainda quando escalou os dois coadjuvantes juntos e ainda sacou Felipe Luís, de poderio defensivo e bom passe, para fragilizar ainda mais a defesa com o verdadeiro meio-campista das antigas em espírito Marcelo. 

Não teria Tite se impressionado com os eficientes contra-ataques mostrados pela Bélgica com apenas 3 jogadores durante essa Copa, especialmente aquele do minuto final dos acréscimos contra o também eficiente Japão? A Bélgica deitou e rolou no quesito, sempre com apenas 3 jogadores, e assim conseguiu seus gols, um deles de forma direta, com De Bruyne. A repetição dos lances fez os brasileiros temerem por um novo 7x1. Mas os zagueiros Thiago Silva e Miranda começaram a fazer milagres para impedir uma nova desgraça.

Aliás, o lance de De Bruyne me chateou enormemente. Primeiro, Lukaku segue à vontade de sua intermediária até a linha do meio de campo. Só aí aparecem Fernandinho e Paulinho, este correndo atrás de Lukaku, aquele na frente do belga. "Mata a jogada", gritei, isso depois de já ter gritado mil vezes contra esses contra-ataques de 3 jogadores. O que Fernandinho fez? Nada. Essa seleção é a que mais tem jogadores com medo de levar cartão amarelo, apesar de eu duvidar muito de que o árbitro decidiria pela punição ante o posicionamento de Fernandinho em relação a Lukaku. Lukaku desvia de Fernandinho. Isso permite a Paulinho uma aproximação, mas nem o carrinho o jogador acerta. 

Por fim, a avenida da esquerda que atende pelo nome de Marcelo simplesmente nem se ocupou de dar um bote que fosse no jogador que conduzia a bola. E De Bruyne ficou livre, mesmo com 4 jogadores à sua frente, para acertar o gol de Alisson.

Esse tipo de coisa já havia sido vista em 2014 com os mesmíssimos Marcelo, Fernandinho e Paulinho. Estaria eu tenho execrando os jogadores? Não. Apenas apontando que não é possível escalar os 3 de uma vez e achar que os problemas defensivos não acontecerão. A tristeza só não foi maior pela grande atuação de Thiago Silva e Miranda.

Tite errou. Não entendeu a força do contra-ataque belga. Não compreendeu a gravidade da ausência de Casemiro. E sempre achou melhor escalar um lateral que não marca e um atacante que só marca os adversários, numa inversão esquisita de valores em nome do apego ao fechado time titular (isso me lembrou um certo treinador do América que jogou todo um planejamento fora neste ano exatamente por isso).

Com tudo isso, talvez o talento ou "a natureza" resolvessem, como na velha tradição brasileira, já que a seleção brasileira masculina de futebol sempre teve a sorte de contar com 2 ou 3 jogadores extraordinários. Só que a safra atual é ruim. Todos são bons jogadores; nenhum extraordinário. O que teria algum potencial para isso não jogou um só minuto desta Copa de acordo com o tal potencial. E ainda arranjou uma antipatia mundial como nunca se viu por estas bandas por enfeitar demais os lances de possível dor. Transformou o futebol da seleção num espocar de memes ao ponto até de virar anúncio contra falsas emergências em Portugal ou dos frangos fast food da KFC na África do Sul.

Faltou a Tite também rodar o elenco, inclusive nas substituições, para aproveitar o que de melhor cada um poderia dar a depender das condições de cada jogo. Se Neymar não estava em plenas condições em virtude da recuperação de cirurgia, por que não foi poupado para entrar no 2.º tempo em alguns jogos, especialmente os iniciais?

Outro problema: nesta Copa, vi  Portugal jogar bem melhor do que o Uruguai, mas ser eliminado. As entrevistas de Cristiano Ronaldo e cia. pós-jogo exaltavam que o Uruguai tinha feito por merecer a vaga. Já Paulinho preferiu apontar ontem que nem sempre o melhor vence. Ou seja, ainda temos esse problema da humildade, de acharmos que sempre somos melhores do que todos os outros em todas as circunstâncias.

Outro detalhe é que o VAR ou árbitro de vídeo por sua vez, pode, enfim, ensinar o futebol brasileiro a se comportar em campo, sem cai-cai, voos, mergulhos ou assemelhados. Afinal, futebol é um esporte de contato e os torcedores pagam para ver bola rolando, não jogadores rolando no chão ou reclamando de arbitragem.

Enfim, ficam muitas lições. Quantas de fato serão aprendidas? A julgar pelo que ocorreu em 2014 e se repetiu em 2018 a tarefa de aprender com erros é dificílima, mas extremamente necessária. Não adianta jogar a culpa em X, Y ou Z. Há uma conjuntura ainda errada, mas que já mostrou muito potencial. Um Tite mais maduro com uma geração menos Nutella podem ajudar a seleção que é sinônimo de futebol a se encontrar. Podem ajudar até o futebol brasileiro a evoluir. Conseguiremos?

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