domingo, 22 de julho de 2018

The New York Times e a democracia brasileira

O maior jornal do mundo mandou hoje newsletter contendo reportagem de destaque publicada em seu site e na versão impressa a respeito dos militares e a democracia no Brasil. Vale a pena conferir a tradução livre abaixo.

Militares do Brasil caminham para a política, pelas urnas ou pela força
Por Ernesto Londoño e Manuela Andreoni

RIO DE JANEIRO - Membros das forças armadas do Brasil, que têm se mantido amplamente longe da vida política desde o fim da ditadura militar há 30 anos, estão preparando sua maior incursão na política em décadas, com alguns até alertando a respeito de uma intervenção militar.

Generais da reserva e outros ex-oficiais com fortes laços com a liderança militar estão montando uma ampla campanha eleitoral, apoiando aproximadamente 90 veteranos militares que concorrem a muitos cargos - incluindo a presidência - nas eleições nacionais de outubro. O esforço é necessário, eles argumentam, para resgatar a nação de uma liderança entrincheirada que desgovernou a economia, falhou em conter uma crescente violência e descaradamente roubou bilhões de dólares por corrupção.

E se as urnas não trouxerem a mudança rapidamente, alguns ex-generais mais destacados alertam que os líderes militares podem se sentir compelidos a assumirem e reorganizarem o sistema político à força.

"Estamos num momento crítico, caminhando sobre o fio da navalha," disse Antonio Mourão, general de 4 estrelas que recentemente se aposentou após sugerir no ano passado, ainda na ativa, que uma intervenção militar poderia ser necessária para expurgar a classe corrupta dominante. "Nós ainda acreditamos que o processo eleitoral representará a solução preliminar para que mudemos o curso."

A incursão militar na política é uma grande mudança - e para muitos brasileiros, preocupante. A ditadura militar no país durou 21 anos antes de se encerrar em 1985. Desde então, o Brasil, o maior país da América Latina, experimenta seu maior período sob o domínio da democracia. Muitos são ferozes protetores da separação entre política e militares, vigiando qualquer tropeço potencial rumo ao domínio autoritário.

Mas os generais e oficiais da reserva e veteranos que organizam campanhas para as eleições nacionais de outubro dizem que "os valores militares" como disciplina, integridade e patriotismo são vitais para consertar o Brasil, uma nação que eles consideram mal governada, perigosamente polarizada e vergonhosamente irrelevante no cenário mundial.

Analistas e políticos dizem que as chances de uma intervenção militar são provavelmente remotas, mas eles estão atentos ao perfil político crescente de figuras militares, particularmente porque o país ainda não se resolveu completamente com seu passado autoritário.

Os militares torturam pessoas suspeitas de serem dissidentes com choques elétricos ou as espancaram dependuradas em paredes, de acordo com um relatório de 2014 da comissão da verdade. Pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram durante a ditadura. Ainda assim o Brasil tem feito menos do que muitos dos seus vizinhos latino americanos para punir os abusos cometidos durante os anos 60 e 70, aumentando a preocupação com o fato de figuras militares receberem mais poder político.

"A eventual eleição desses oficiais militares pode levar à adoção de propostas autoritárias, especialmente quando se trata de segurança pública," disse Carlos Fico, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O apelo crescente das forças armadas do Brasil pela política chega no meio de uma guinada direitista na América do Sul e do aumento do autoritarismo em nações democráticas incluindo a Polônia, a Hungria, as Filipinas e a Turquia.

"Em cada país, este movimento tem uma faceta diferente, mas no fundo tem a ver com insatisfação e medo," afirmou Fico.

Mourão, o general da reserva, e outros oficiais aposentados estão avidamente apoiando a candidatura presidencial do congressista de extrema direita Jair Bolsonaro, um ex-capitão do Exército de fala dura que propõe medidas contenciosas para restaurar a ordem, o que inclui dar à polícia mais liberdade para matar criminosos.

Bolsonaro, o primeiro oficial militar da reserva a montar uma candidatura viável à presidência desde que a democracia foi restaurada, recentemente afirmou que apontaria generais para liderar os ministérios, "não porque são generais, mas porque são competentes."

A campanha firmou-se nas largas frustrações Brasil afora. A fé na democracia da nação e nas instituições governamentais despencou em anos recentes, especialmente depois do impeachment de 2016 da presidente Dilma Rousseff e os enormes esquemas de propinas que contaminaram todos os principais partidos políticos.

Uma pesquisa do Latinobarómetro, que acompanha a opinião pública na América Latina, apontou no ano passado que apenas 13% dos brasileiros estavam satisfeitos com o estado democrático, último colocado no ranking com 18 nações. A pesquisa também mostrou que somente 6% dos brasileiros apoiam o governo, uma posição no ranking bem abaixo de outros governos profundamente impopulares, incluindo Venezuela e México.

Mas os militares escapam amplamente dessas críticas. Enquanto a maioria dos brasileiros não acredita no atual presidente Michel Temer, no Congresso nacional e nos partidos políticos dominantes no Brasil, 8 em cada 10 entrevistados tinham uma visão favorável das forças armadas, de acordo com uma pesquisa de 2017 do Datafolha.

Essa, analistas e generais aposentados dizem, é a razão pela qual Temer tem dado poder incomum aos oficiais militares em seu ministério. Numa ruptura com o passado, Temer nomeou um general em fevereiro como Ministro da Defesa.

Pedidos públicos por uma intervenção militar voltaram em 2013, à medida que grupos marginais de direita fizeram um protesto durante uma caótica onda de demonstrações nas ruas contra o governo esquerdista de Dilma.

Desde então, pedidos por uma intervenção militar cresceram, talvez mais fortemente durante uma greve nacional de caminhoneiros em maio que paralisou o país por mais de uma semana.

"Este é um grito de desespero contra toda essa corrupção," disse Luciano Zucco, um tenente-coronel de 44 anos que se afastou neste mês do Exército para concorrer a uma cadeira numa assembleia legislativa. Zucco ainda afirmou que se opunha a um golpe. "A intervenção tem que acontecer pelo voto," disse.

O general Eduardo Villas Bôas, atual comandante do Exército, afirmou em discurso recente que os que falam em intervenção militar não entendem o "espírito democrático que reina nas casernas."

Até Dilma, uma ex-prisioneira política que foi torturada durante os anos 70 pelo governo militar e considera seu impeachment um golpe político, disse que ficaria chocada se os generais de hoje tentassem tomar o poder.

"Os generais que conheço não seriam seduzidos por estes tipos de aventura de intervenção militar," ela disse numa entrevista. "Há muitas pessoas tentando criar as condições para isso, mas de minha parte, eu não acredito nisso."

Maurício Santoro, cientista político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, disse que, enquanto ninguém no Brasil estava clamando por um ditadura duradoura, muitos brasileiros, particularmente aqueles que não viveram sob o domínio militar, achavam a ideia de uma intervenção curta atrativa.

"Há quatro anos, eu teria dito nunca, mas agora eu diria que não é provável, mas, em dadas circunstâncias, poderia acontecer," afirmou. "Você tem muitas pessoas no Brasil que gostam da ideia dos militares despejando a atual classe política e em seis meses convocando novas eleições."

O debate sobre tal intervenção cresceu à medida que o pessoal da ativa e generais da reserva de alta patente passaram a comentar questões políticas de forma não vista desde os anos da ditadura. O general Bôas, comandante do Exército, deu o passo altamente incomum em abril de publicar uma declaração no Twitter que foi largamente interpretada como um aviso ao Supremo Tribunal Federal.

Naquele momento, os ministros analisavam se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria começar a cumprir uma pena de 12 anos por corrupção. Era particularmente uma grande decisão porque Lula era candidato à presidência novamente e aparecia como líder da corrida. 

Então o general Bôas aumentou a tensão ao declarar que os militares "repudiam a impunidade," referindo-se à possibilidade de que o STF permitisse a Lula ficar livre a esperar do julgamento de recursos. A declaração alarmou críticos que a viram com uma incursão não apropriada na política, na melhor das hipóteses. (Numa decisão apertada, o tribunal decidiu que ele poderia ser preso.)

Eliéser Girão Monteiro, ex-general do Exército que está concorrendo ao governo do Rio Grande do Norte, clamou pelo impeachmente de membros do Supremo Tribunal Federal por decisões que levaram à libertação de políticos condenados por corrupção.

O sistema político criado pela Constituição de 1988 tornou-se uma "caverna que aparentemente não tem saída de emergência," disse Monteiro numa entrevista. Enquanto ele pessoalmente não apoia um levante militar, acrescentou que "a única saída de emergência em que as pessoas estão falando é uma intervenção militar."

Mourão, general aposentado, disse que nenhum de seus contemporâneos apreciam a ideia de romper a ordem democrática. Mas ele afirmou que a agitação pode forçar suas mãos se a repressão judiciária fosse impedida ou se a violência continuasse a se espalhar.

"Nós queremos nos manter firmes ao império da lei o máximo que pudermos," afirmou Mourão. "Mas não podemos deixar o país tombar no caos."

Quando os militares tomaram o poder em 1964, líderes da junta argumentavam que o Brasil estava se encaminhando para o Comunismo. Os líderes militares ainda não se referem àquela era como uma ditadura, defendendo que as forças armadas na verdade preservaram a democracia ao pouparem o Brasil do domínio de socialistas autoritários.

A economia do Brasil cresceu bruscamente durante os anos iniciais do domínio militar, o que levou alguns historiadores a se referirem à era como um "milagre econômico." Mas a dívida externa explodiu durante esse período e a desigualdade aumentou, preparando o terreno para um crise hiperinflacionária que mutilou a economia durante os anos 80.

A imprensa foi censurada e a ausência de um Judiciário independente significava que abusos e corrupção eram raramente investigados. Antes dos militares abrirem mão do poder, o governo aprovou uma lei de anistia que blindou os oficiais desse período.

A lei de anistia impediu que o Brasil passasse pelo tipo de avaliação pós-ditadura que manteve os militares de Argentina, Chile e Uruguai distantes da política, analistas afirmam.

A falta de confiabilidade também possibilitou que uma geração mais jovem de brasileiros romatizar o que uma nova intervenção militar poderia trazer, disse Pedro Dallari, jurista que dirigiu a comissão da verdade.

"O fato de que a lembrança da ditadura fica turva com o tempo, porque os problemas não foram confrontados, gera este risco," afirmou.

*Uma versão deste artigo aparece impressa em 22 de julho de 2018 na página A1 da edição de Nova Iorque com a manchete: Militares do Brasil Entram na Política, Avivando Medos de uma Ditadura.



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