De uns tempos para cá, o Poder Judiciário não sai do noticiário brasileiro. O Supremo Tribunal Federal então... Em 16 de maio deste ano, a revista Veja publicou reportagem de impressionantes 20 páginas tentando mostrar um pouco mais do que é o STF e da essência dos Ministros que o compõem. Vale a pena compartilhar.
Entretanto, pela extensão, vou dividir esse retrato das entranhas da corte máxima brasileira em várias partes (8, salvo engano), que serão publicadas assim que eu tiver um tempinho livre para transpor o conteúdo para cá. Ressalto, porém, que a reportagem original, além de poder ser lida de um fôlego só na própria edição, contém fotos essenciais de autoria de Orlando Brito. Logo, recomento a leitura do original para quem tiver acesso pelo menos pela internet, embora nada se compare à versão impressa, pelo menos para quem é apaixonada pela leitura tradicional como eu.
Entretanto, pela extensão, vou dividir esse retrato das entranhas da corte máxima brasileira em várias partes (8, salvo engano), que serão publicadas assim que eu tiver um tempinho livre para transpor o conteúdo para cá. Ressalto, porém, que a reportagem original, além de poder ser lida de um fôlego só na própria edição, contém fotos essenciais de autoria de Orlando Brito. Logo, recomento a leitura do original para quem tiver acesso pelo menos pela internet, embora nada se compare à versão impressa, pelo menos para quem é apaixonada pela leitura tradicional como eu.
Feitos esses esclarecimentos, começo obviamente pelo começo.
As vênias e a toga
O Supremo, seu funcionamento, seus bastidores, seus ministros
Por Roberto Pompeu de Toledo (Revista Veja, 16/05/18, páginas 54-73)
I
Juízes-celebridade
A senhora de pedra que guarda a entrada do prédio do Supremo Tribunal Federal não vê nem ouve. A grossa venda cobre-lhe os olhos e, não contente, completa o serviço tapando-lhe as orelhas. Melhor assim. Poupa-a da conflagração lá dentro. "Em quase 29 anos, nunca vi coisa igual", diz o decano Celso de Mello, computando o tempo desde que foi nomeado pelo remoto presidente Sarney, em 1989. "Sempre soube da existência de grupos hostis em outros tribunais, maiores, mas não na pequena comunidade que é o Supremo." O conflito é ruidoso, conheceu momentos de descalabro, mas é apenas a consequência de fatores que vão além do mundinho de onze ministros e 3.000 e tantos funcionários que se abriga atrás da senhora de pedra, também conhecida como Deusa da Justiça, obra do escultor "oficial" de Brasília, Alfredo Ceschiatti. Reflete, em primeiro lugar, o desassossego reinante na própria sociedade. Em segundo, o fenômeno inusitado, talvez único, em sua dimensão, de "a crise política ter mudado de lado na rua", como diz o ministro Luiz Edson Fachin, referindo-se aos dois outros prédios a Praça dos Três Poderes. A combinação de um Executivo fraco, sob um presidente de transição, com um Legislativo inoperante veio a descarregar sobre o Judiciário o peso das mais agudas decisões nacionais. Em terceiro lugar, a Constituição de 1988 encarregou o Supremo de trocar em miúdos a cornucópia de temas nela contidos, e de dar satisfação aos muitos direitos atribuídos aos cidadãos. "A Constituição tratou de muitos assuntos, mexeu com direitos de muita gente. Todos falam na Constituição. Passou-se a reclamar direitos e a reivindicar", diz a presidente da casa, ministra Cármen Lúcia.
O Supremo de hoje tem a característica inédita, neste e em qualquer outro país, de ser composto de onze rostos que rivalizam, no reconhecimento da população, com os rostos dos onze da seleção nacional de futebol (pelo menos para quem não coleciona o álbum de figurinhas da Copa do Mundo). Um dia, no supermercado, em Belo Horizonte, Cármen Lúcia estranhou o preço da laranja. "Como está cara", comentou. Uma cliente aproveitou o mote: "Viu? Até a ministra reclamou". De outra feita, num táxi, o motorista lhe disse: "Minha mãe detesta a senhora. A senhora tirou a aposentadoria dela". Cármen Lúcia nem sabia de que processo se tratava, menos ainda se atuara nele, mas se viu envolvida em discussão constitucional com o interpelante. O ministro Luiz Fux, quando passeia na praia, no Rio de Janeiro, ouve: "Quando vai prender?", "Quando vai soltar?". Um dia um moço que vinha numa bicicleta gritou: "Não está na hora de acabar com o auxílio-moradia?". Outros pedem para tirar fotos. O ministro Fachin foi responsabilizado por uma cliente, numa farmácia de Curitiba, pelo alto preço dos remédios. E o ministro Gilmar Mendes... Não, não é o xingamento que o leitor está pensando, nem a ovada que supõe a leitora. "Brasília é a minha cidade, vou ao restaurante com os meus filhos, com meus netos, sem problemas", diz ele. "As pessoas me cumprimentam, com respeito. Em Lisboa, onde tenho uma casa, é a mesma coisa. De vez em quando um xinga, e aí sai no jornal."
Quando o Supremo Tribunal Federal foi criado, em 28 de fevereiro de 1891, 470 dias depois da proclamação da República, em substituição ao Supremo Tribunal de Justiça do Império, seu presidente, Freitas Henriques, era um homem nascido duas semanas antes da declaração de Independência, portanto ainda no período colonial. "Era alguém que veio da Colônia e chegou à República!", espanta-se o ministro Dias Toffoli. Para que a população conhecesse seu rosto, assim como o dos demais membros do tribunal, só se uma daguerreótipo fosse levado de cidade em cidade, aldeia em aldeia, como se fazia em época anterior com o retrato a óleo dos reis. Hoje a TV Justiça proporciona o milagre. Como contrapartida, oferece o peacock effect, como se diz nos Estados Unidos - o efeito pavão. E como há efeito peacock, a aspergir seus vapores sobre o plenário da corte dita Suprema, nos dias que correm!
Na classificação por idade, a composição do tribunal vai de Celso de Mello, com 72 anos, a Alexandre de Moraes, com 49. Calha, o que não é frequente, que o mais velho seja o decano e o mais jovem o mais recentemente nomeado. Por estado de origem temos três paulistas (Celso de Mello, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes), três fluminenses (Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso), um carioca-paulista (Ricardo Lewandowski, nascido no Rio de Janeiro mas paulista de criação, formação e sotaque), um gaúcho-paranaense (Edson Fachin, nascido no Rio Grande mas criado no Paraná, e tão paranaense da gema que poderia ser escalado como modelo do sotaque local), uma mineira (Cármen Lúcia), um mato-grossense (Gilmar Mendes) e uma gaúcha (Rosa Weber). Por regiões, evidencia-se forte desbalanceamento em favor do Sudeste. O STF não é parlamento nem ministério, para ter representação regional balanceada, mas note-se que com a aposentadoria do sergipano Carlos Ayres Britto, em 2012, a Região Nordeste, a segunda mais populosa, ficou sem representante. Todos os atuais ministros são, ou foram, professores universitários.
Celso de Mello é o único dos cinco ministro nomeados pelo presidente Sarney a permanecer no tribunal. Marcos Aurélio Mello, o segundo mais antigo na corte, é o remanescente dos três nomeados por Fernando Collor, e Gilmar Mendes o remanescente dos três nomeados por Fernando Henrique Cardoso. Dos demais componentes do atual time, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli foram nomeados pelo presidente Lula; Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, pela presidente Dilma Roussef; e Alexandre de Moraes, pelo presidente Temer. Lula chegou a nomear oito ministros e Dilma, cinco. A alta concentração de nomeações nos governos Lula e Dilma deve-se em parte às aposentadorias precoces de Francisco Rezek, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Todos eles, com a extensão da aposentadoria compulsória de 70 para 75 anos, poderiam estar até hoje na casa. Foi um surto de debandadas que respingou no desprestígio na mais alta corte de Justiça, em princípio propiciadora do ápice e do mais honroso posto de uma carreira jurídica. Com o STF agora tão em evidência, alguns talvez lamentem tê-lo deixado.
O Supremo está na boca de todos, mas só os íntimos o conhecem por dentro. O objetivo desta reportagem é abri uma fresta para os bastidores, sem esquecer de no percurso visitar o gabinete de alguns de seus titulares.
Além do prédio principal, o STF ocupa outros dois, escondidos atrás do primeiro. Brasília, para quem a conhece apenas na superfície, é a cidade dos palácios de Oscar Niemeyer, com seus arcos, seus vazios, sua monumentalidade discreta e seus espelhos-d'água. Para quem conhece suas entranhas, é a cidade dos anexos. Os órgãos públicos foram crescendo,e para abrigá-los levantaram-se novas construções, devidamente escondidas atrás da principal para não comprometer o plano urbanístico. O Congresso tem quatro anexos, de que o espectador nem suspeita, ao observar suas torres gêmeas escoltadas pelos dois pratos em posições invertidas. Dos dois anexos do STF, o primeiro é um prédio vulgar, mas o segundo - exceção à regra brasiliense dos anexos - tem suas pretensões: estende-se em curva, é todo espelhado e leva a assinatura de Oscar Niemeyer. Nesse prédio ficam os gabinetes dos ministros, e num seu prolongamento que poderia ter sido como o anexo do anexo abrigam-se, um em cada andar, os auditórios das reuniões das duas turmas, cada uma com cinco ministros (a presidente não participa), em que se divide o tribunal.
Na classificação por idade, a composição do tribunal vai de Celso de Mello, com 72 anos, a Alexandre de Moraes, com 49. Calha, o que não é frequente, que o mais velho seja o decano e o mais jovem o mais recentemente nomeado. Por estado de origem temos três paulistas (Celso de Mello, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes), três fluminenses (Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso), um carioca-paulista (Ricardo Lewandowski, nascido no Rio de Janeiro mas paulista de criação, formação e sotaque), um gaúcho-paranaense (Edson Fachin, nascido no Rio Grande mas criado no Paraná, e tão paranaense da gema que poderia ser escalado como modelo do sotaque local), uma mineira (Cármen Lúcia), um mato-grossense (Gilmar Mendes) e uma gaúcha (Rosa Weber). Por regiões, evidencia-se forte desbalanceamento em favor do Sudeste. O STF não é parlamento nem ministério, para ter representação regional balanceada, mas note-se que com a aposentadoria do sergipano Carlos Ayres Britto, em 2012, a Região Nordeste, a segunda mais populosa, ficou sem representante. Todos os atuais ministros são, ou foram, professores universitários.
Celso de Mello é o único dos cinco ministro nomeados pelo presidente Sarney a permanecer no tribunal. Marcos Aurélio Mello, o segundo mais antigo na corte, é o remanescente dos três nomeados por Fernando Collor, e Gilmar Mendes o remanescente dos três nomeados por Fernando Henrique Cardoso. Dos demais componentes do atual time, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli foram nomeados pelo presidente Lula; Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, pela presidente Dilma Roussef; e Alexandre de Moraes, pelo presidente Temer. Lula chegou a nomear oito ministros e Dilma, cinco. A alta concentração de nomeações nos governos Lula e Dilma deve-se em parte às aposentadorias precoces de Francisco Rezek, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Todos eles, com a extensão da aposentadoria compulsória de 70 para 75 anos, poderiam estar até hoje na casa. Foi um surto de debandadas que respingou no desprestígio na mais alta corte de Justiça, em princípio propiciadora do ápice e do mais honroso posto de uma carreira jurídica. Com o STF agora tão em evidência, alguns talvez lamentem tê-lo deixado.
O Supremo está na boca de todos, mas só os íntimos o conhecem por dentro. O objetivo desta reportagem é abri uma fresta para os bastidores, sem esquecer de no percurso visitar o gabinete de alguns de seus titulares.
Além do prédio principal, o STF ocupa outros dois, escondidos atrás do primeiro. Brasília, para quem a conhece apenas na superfície, é a cidade dos palácios de Oscar Niemeyer, com seus arcos, seus vazios, sua monumentalidade discreta e seus espelhos-d'água. Para quem conhece suas entranhas, é a cidade dos anexos. Os órgãos públicos foram crescendo,e para abrigá-los levantaram-se novas construções, devidamente escondidas atrás da principal para não comprometer o plano urbanístico. O Congresso tem quatro anexos, de que o espectador nem suspeita, ao observar suas torres gêmeas escoltadas pelos dois pratos em posições invertidas. Dos dois anexos do STF, o primeiro é um prédio vulgar, mas o segundo - exceção à regra brasiliense dos anexos - tem suas pretensões: estende-se em curva, é todo espelhado e leva a assinatura de Oscar Niemeyer. Nesse prédio ficam os gabinetes dos ministros, e num seu prolongamento que poderia ter sido como o anexo do anexo abrigam-se, um em cada andar, os auditórios das reuniões das duas turmas, cada uma com cinco ministros (a presidente não participa), em que se divide o tribunal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário