domingo, 20 de setembro de 2015

Um mundo de solitários

É interessante o rumo que a tecnologia tem tomado. Avança-se em derrubar fronteiras no mundo virtual, mas na verdade soerguemos muros que separam indivíduos reais.

Sempre comento da verdadeira visão do horror que tive numa manhã bem cedo alguns anos atrás após fazer um exame de sangue num laboratório em Ponta Negra. Fui tomar café da manhã numa padaria nos arredores e testemunhei uma cena que jamais saiu de minha memória: 2 mulheres e 1 criança sentadas à mesa sem trocar uma única palavra ou mesmo olhar àquela hora da manhã! As 3, mesmo a criança, tinham suas atenções totalmente voltadas para seus smartphones. Era tanto desprezo à presença do outro que fiquei chocada para o resto de minha vida.

Agora leio no The New York Times que a Mattel investiu 30 milhões de dólares na Hello Barbie - boneca com inteligência artificial para se tornar uma verdadeira amiguinha das crianças. A boneca é capaz de iniciar conversas e responder a questionamentos.

Não bastasse um mundo de solitários agarrados com smartphones, agora teremos bonecas que podem substituir amiguinhos reais!

É fato também que até bichos de estimação virtuais existem há muito tempo.

Que mundo de solitários carentes é esse que precisa de uma realidade virtual para suprir tais necessidades emocionais? Perdemos a capacidade de nos relacionarmos de forma tradicional ou será que a realidade é tão enfadonha que achamos melhor o mundo controlado por botões ON/OFF (apesar de que não apertamos OFF sem imenso sofrimento)?

Não levará muito até transformamos dispositivos com acesso à internet em parte do corpo. Afinal, é quase impossível controlar a raiva quando não há internet disponível. Uma internet que usasse sinais vitais seria perfeita. A checagem de 5 em 5 minutos por tolas mensagens de WhatsApp, Facebook e Twitter seria feita automaticamente. Daí para o mundo de The Matrix seria um pulo. Alguns achariam ruim viver numa realidade virtual, mas seriam uma minoria inexpressiva. O mundo de fantasia nos manteria num sono eterno, sem a menor necessidade de mover um músculo sequer. O fim do sinal da internet também marcaria o fim da vida e aquele indivíduo seria apagado - melhor, deletado - como as velhas contas do Orkut. Quem sabe não poderíamos manter seu avatar vivo através de programas de inteligência artificial? O ser humano mesmo seria apenas um detalhe, já que sua representação virtual estaria sempre ali interagindo. O ideal de vida eterna, se é que podemos chamar isso de vida, seria finalmente atingido.

Talvez isso nem seja ruim. Talvez o fato de pessoas insistirem num isolamento real em troca de fãs ou seguidores para chamar de seus no mundo virtual seja uma coisa boa. Talvez esse incômodo que eu sinta seja apenas fruto de uma mente atrasada. Mas é que gosto de abraços, beijos, apertos de mão, de olho no olho, do som da voz natural, de conversas jogadas fora sem pausas para digitação ou download do arquivo de voz. 

Coisa de gente antiquada, né? Melhor chamar minha Hello Barbie para desabafar.


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