Vira e mexe eu abordo por aqui em texto ou podcast o uso impressionantemente excessivo do celular no dia a dia das pessoas. Mas hoje não quero nem falar sobre redes sociais, que imagino serem a fonte do vício.
De ontem para hoje eu vivi algumas situações que considero absurdas, pelo menos para a minha mentalidade.
Pensei em tomar um sorvete rápido no shopping pós-almoço para testar meu paladar com coisas geladas, que anda péssimo. Queria algo de morango ou doce de leite. Aí lembrei que nada que você queira comprar diretamente no balcão em Bob's, Burger King e/ou McDonald's sai com preço razoável se você não tiver um cadastro e um aplicativo da rede onde pretenda consumir.
Sou mesmo obrigada a andar com um celular conectado à internet e com espaço na memória para ter 300 aplicativos com "descontos" (na verdade, o preço é o do aplicativo; no balcão, você é assaltada)? Depois de muita chateação, terminei usando um aplicativo que Janaina tinha para comprar o sorvete.
Para tudo hoje, a gente tem que apresentar o CPF, ou um cupom, ou os dois. Nada se compra sem que sejamos aprisionados por alguma forma de "desconto-vigilância". E é o celular o onipresente.
Por falar em celular, este é o segundo mês de ligações chateadas para a Claro, que manda o número de protocolo da minha reclamação para o celular, me manda ligar com 24h, e depois tenho que escutar 2 atendentes enchendo linguiça e jurando que aquele protocolo nunca existiu. A Claro pensa que está me levando no bico, mas deixa eu ter que ligar mais um mês para ela descobrir que a cliente educada também sabe ser uma advogada furiosa. Não há lei ou autoridade que de fato enquadre as operadoras de telefonia, que seguem tratando muito mal a sua clientela. Cogito deixar de ser cliente de conta mensal para ter algum controle sobre a operadora com o pré-pago.
A vontade real é de cancelar tudo, mas quem vive hoje sem um número de celular, que dá acesso a inúmeros serviços? Tive saudade até do orelhão a ficha, que de vez em quando tinha fila para uso, mas que não nos importunava com 400 mil ligações de telemarketing feitas por robôs sádicos.
No trânsito, a peste só piora. Sinal fechou? Motoristas baixam a cabeça para conferir o único mundo que tem graça: o virtual. Sem atenção ao volante, o trânsito vira uma roleta russa. É carro que trava o fluxo na esquerda, outro que parou no meio do nada, outro que transita entre duas faixas porque o motorista precisa manter a conversa no mundo virtual. Hoje escapei de um batida na rotatória em frente ao Centro Administrativo. Lá vinha o meu carro na rotatória quando um outro motorista com a cabecinha baixa para conferir o celular decidiu que era hora de avançar. Isso mesmo: sem olhar para quem vinha na rotatória! Alguma coisa o fez recobrar a consciência e parar a tempo. Foi por muito pouco. Seus olhos esbugalhados me olhando quando percebeu a iminente desgraça não saem da minha cabeça. Se fosse um idoso certamente não conseguiria mais dirigir pelo abalo. Era jovem. Espero que pelo menos tenha ficado a lição, mas duvido muito. O vício é maior.
Até consultas e exames são marcados via celular, neste caso, WhatsApp. Mas não ache que o atendimento é rápido. Janaina precisou remarcar um exame numa manhã e a resposta só veio no domingo à noite, já bem tarde. Dá para viver assim?
Eu já não suporto a avalanche de vídeos enviadas mesmo sem que a gente peça. Nem áudios. Agora ainda tenho que lidar com a marcação de consultas e exames à prestação por mensagem de texto.
Para quem viu Matrix (o original) e achou muito devaneio das irmãs Wachowski, digam-me se a realidade atual é assim tão diferente da apresentada no filme, em que pessoas não querem mais viver a vida real porque a acham sem graça e preferem a vida virtual que lhes é apresentada pela inteligência artificial?
Enquanto isso, vejo a notícia de que aquele Nokia lanterninha já atingiu a casa de 200 milhões de unidades vendidas no mundo e desconfio que não sou a única pessoa a cada vez mais me incomodar com essa intrusão que o celular smartphone representa em nossas vidas. Mas será que resistiremos como Neo & cia. aos algoritmos das grandes empresas? Talvez o termo certo nem seja resistir, e sim refutar/rejeitar. A mente humana agradeceria. A incolumidade física também.
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