Sempre fico intrigada como os seres humanos achamos que tudo na vida é permanente, que nada nos vai ser retirado de forma inesperada. Aí vem a vida e nos prega aquela peça e diz: "Não é bem assim que a banda toca".
Não vou bater na tecla surrada da pandemia, embora ela seja o maior exemplo de vendaval de mudanças para muita gente ao mesmo tempo de que se tem notícia nos últimos 100 anos.
Falo mesmo naquele nível individual, de cada pessoa. A saúde é garantida até um exame ou outro sinal mostrar que precisamos cuidar dela sempre para que ela resista. O relacionamento é garantido até que uma briga vira uma mágoa acumulada de outras mágoas mal ou nunca resolvidas. As pessoas em nossa vida são garantidas até o dia em que nem mesmo um telefonema as alcança mais.
Se essa lista de imaterialidades é comprovadamente efêmera ou frágil, o que dizer das coisas materiais, como dinheiro, casa, veículo, roupas, calçados, perfumes, livros, objetos de decoração?
Lembro de uma noite em que a cama me despertou do sono ao quebrar. Ou do dia em que fui chamada às pressas para casa porque a sala de trabalho/leitura estava debaixo d'água com uma cascata formada atravessando a lâmpada e que destruiu todas as estantes. Ou da manhã em que um pedaço da laje desabou no quintal e quase matou mamãe de susto.
Há também os arranhões que surgem no carro sem que a gente tenha qualquer controle da origem. Ou o cupim que come uma caixa de porta inesperadamente. Ou o mofo que insiste em se instalar em algum móvel plástico. Ou a ferrugem que atinge utensílios de ferro e até de inox (sim, fique sabendo que inox também enferruja). Ou as formigas que resolvem se hospedar em algum equipamento eletrônico e assim o danificam.
Nada é garantido. Nem coisas, nem dinheiro, nem status quo, nem pessoas, nem saúde, nem relacionamentos, nem sossego. Nem futuro. Só a morte e o agora são garantidos. Apreciar o agora é uma dádiva que deveria estar ao nosso alcance sem que fosse preciso uma desgraça ou uma ausência para nos esfregar nas fuças que nada temos além do agora. O passado é apenas uma lembrança. O futuro está sempre por vir até que não vem mais. É o agora que importa. Quanto sofrimento evitaríamos se tivéssemos essa lição marcada em nosso dia a dia sem que o choque de uma mudança repentina fosse necessário para nos conscientizar?
Da próxima vez que alguma atribulação cotidiana ameaçar o humor, é bom lembrar que nada é garantido. Viver é aproveitar o agora e abraçar a mudança quando ela chegar.
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