sexta-feira, 17 de abril de 2020

31 dias

31 dias de recolhimento domiciliar. 31 dias de uma situação estranha que vai ficando cada vez mais "normal".

No início, até que não tive grandes dificuldades em fazer o recolhimento domiciliar. Sou mesmo uma pessoa caseira. Minhas primeiras opções de lazer estão sempre em casa. Até os afazares profissionais têm sua parte feita em casa.

O problema é a obrigação. Nada de opção. Não escolhi ficar em casa, tive que ficar.

Engraçado é que, como professora, estou de férias. Nada de viagem, sair para restaurantes, ver um filme no cinema. Alguém achou interessante chamar isso de férias. Um período estressante, sufocante, dedicado ao relaxamento da atividade profissional, provavelmente uma espera de demissão. Não é bem apropriado?

A atividade física também é em casa, alternando parte coberta e quintal. O contato com as amigas é quase que exclusivamente virtual. Quando não é assim por motivo de necessidade, há um muro ou um portão e um janela de carro a nos separar.

31 dias que não beijo, nem abraço minha irmã, com quem tenho muito contato. As chamadas de vídeo quebram um galho. Com a tia mais próxima, chamadas de voz mesmo, quase diárias para conferir se tudo anda bem.

Nesses 31 dias já vi o mundo enlouquecer de várias formas: todo mundo assiste a todo o catálogo da Netflix; todo mundo assiste ao BBB e pega brigas homéricas por causa dele; todo mundo faz lives sobre o que quer que seja; todo mundo pula de galho em galho nas lives em busca de uma satisfação que nunca chega; todo mundo acha que todo mundo vai morrer amanhã por causa da pandemia; todo mundo acha que todo mundo vai morrer mesmo amanhã por causa da economia; todo mundo acha que voltaremos ao mundo de antes; todo mundo vive uma fase negacionista, própria do ser humano diante de bruscas mudanças; todo mundo redescobre a fé, seja ela em que for.

Foram 31 dias muito intensos. Parece até que vivi um ano inteiro dentro de um mês. 2019 já parece muito distante e ao mesmo tempo 2021 parece mais distante ainda. Não parece que estamos mais em 2020. Nem me sinto mais parte do futebol - o que é isso mesmo?

Até a fazer compras no supermercado eu tive que reaprender. Um novo jeito de acompanhar notícias, de ver o tempo passar, de tentar manter a sanidade mental.

O mais maravilhoso de tudo é admirar como nós, seres humanos, temos uma incrível capacidade de adaptação. Foi preciso um inimigo invisível para mostrar que nada é mesmo essencial que não seja a própria sobrevivência e que o tempo é abstrato. Já sabíamos, fomos apenas relembrados. 

Como serão os próximos 31 dias? Mais ou menos intensos? Novas descobertas ou velhas lembranças? Mais ou menos loucura? Não dá para saber, mas certamente seguiremos mudando diariamente, tal qual o rochedo que recebe as pancadas suaves das ondas do mar. Incessantemente.

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