sábado, 1 de agosto de 2015

Quando a superficialidade domina

3 situações ocorridas nos últimos dias me deixaram estupefata. Resolvi relatá-las por aqui, mas já garanto aos envolvidos que contarei o milagre, mas não o santo, já que não pretendo constranger ninguém, e sim mostrar uma realidade preocupante dos dias atuais.

Situação 1: um determinado estabelecimento de ensino superior resolve promover concurso para contratação de novos professores. Durante a análise da banca, um dos componentes critica a bibliografia apresentada por candidato por considerá-la antiga, chegando ao ponto de ridicularizar determinado autor. A crítica não atingiu o conteúdo ministrado, e sim o autor (diga-se de passagem, renomado e já na casa das dezenas de edições), visto pelo membro da banca como ultrapassado e digno de uma expressão facial de nojo.

Situação 2: uma coleção de livros didáticos de autores renomados é totalmente preterida em detrimento de apostilas para o ENEM porque aqueles seriam "grossos demais" e estas teriam aulas em vídeo.

Situação 3: livro de R$ 36 é considerado caro. Balada no mesmo valor, não.

As 3 situações produziram em mim um misto de horror, enjoo, preocupação e choque. Não sei dizer qual delas me deixou mais horrorizada ao chegar ao meu conhecimento. Afinal, em todas a superficialidade do conhecimento mostrou-se muito superior à ideia de um conhecimento profundo, consolidado.

Como alguém pode se insurgir contra o preço de um livro, algo duradouro e que lhe atingirá de tal forma que você nunca mais será o mesmo, e achar normal o mesmo valor aplicado a uma coisa efêmera, que também tem seu valor, porém jamais terá o objetivo de iluminação científica?

Como livros didáticos podem ser menosprezados por quem pretende concorrer a uma vaga no ENEM em detrimento de resumos apenas pela extensão de páginas de cada um? Como apenas uma aula em vídeo pode substituir uma leitura reflexiva de um assunto qualquer?

Como um estabelecimento de ensino superior pode querer formar novos profissionais, alguns deles que também serão professores, com a política de menosprezo ao conhecimento de autores clássicos pelo simples fato de serem antigos? No Direito, seguindo-se a lógica do coitado membro da banca (sempre senti pena dos que sofrem de ignorância), por exemplo, Pontes de Miranda, Seabra Fagundes, José Afonso da Silva, Paulo Bonavides, Nelson Hungria, José Frederico Marques, Damásio de Jesus, Caio Mário, Orlando Gomes, Oswaldo Aranha Bandeira de Melo, Ovídio Baptista da Silva, José Carlos Barbosa Moreira, Rubens Requião, alguns já falecidos, devem ser totalmente relegados ao esquecimento, não havendo mais qualquer fundamento em suas obras.

Para que bibliotecas? Queimemos os livros todos. Se tudo para ser bom tem que ser novo e em vídeo ou no máximo em 140 caracteres, melhor deixarmos de lado essa besteira chamada conhecimento aprofundado. Vamos viver de Google e seus control+c e control+v. Para que reflexão se posso copiar exatamente o que o outro disse? Para que monografias e teses? Tudo pode ser resolvido comprando-se a edição mais nova de um único autor com menos de 40 anos e transformando sua obra em bíblia intocável. É muita complicação trazer vários conceitos sobre o mesmo tema. Bom mesmo é parafrasear um único autor. O resto é velharia.

Se antes ser apelidado de traça pelo apetite contumaz em devorar livros era um elogio, hoje isso é visto como comportamento a ser combatido. Até no ensino superior!!!

Preocupante ou não? Parem o mundo porque eu quero descer!

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