quinta-feira, 7 de abril de 2022

Interpretar incessantemente

A vida de quem trabalha com o Direito, e aqui estamos todas as pessoas, independemente de carreira, já que o Direito é parte do nosso dia a dia, é ler, interpretar e aplicar normas às mais variadas situações do cotidiano. 

Aquela plaquinha "Não é permitido entrar com cachorro" exclui o cão guia de pessoas cegas? Ela permitiria o acesso com um gato?. Isso para ficar num exemplo muito simples e até batido nas lições sobre Direito (aplausos para o filósofo mexicano Luís Recasens Siches).

Quem não entende a evolução que a interpretação do Direito, especificamente da Constituição, norma fundamental de um país, exige e ao mesmo tempo proporciona também não compreende que a vida humana naturalmente não fica restrita ao pensamento vigente ao tempo da edição/publicação das leis; ela corre em novas direções o tempo todo, como rio descobrindo novos caminhos na cheia. É a interpretação que nos socorre de uma revogação de normas que só superficialmente são obsoletas, o que deixaria o mundo real sem leis a nos resguardar de uma hora para outra. Ou seja, o que a interpretação não salva deixa de existir, caso da escravidão, um dia já vergonhosamente prevista como legal.

O constitucionalista Alexandre de Moraes, hoje Ministro do STF, bem resume no seu Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1.° a 5.° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, em 2003 (5.ª edição, p. 23):

A Constituição Federal há de sempre ser interpretada, pois somente através da conjugação da letra do texto com as características, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sociopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia.

O STF, como guardião-mor da Constituição, lida com isso diariamente e, até que haja consolidação de uma determinada direção, vemos o pêndulo das interpretações pender para um lado e para outro com mais frequência em determinados assuntos. É o movimento normal que precede a estabilidade constitucional até novas evoluções da sociedade invoquem novas direções.

Se é assim com a normal fundamental, é também assim com todo o ordenamento jurídico. Naturalmente.

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