quinta-feira, 25 de junho de 2020

100 dias

100 dias de recolhimento domiciliar. 100 dias sem poder abraçar e beijar parentes e amigos. 100 dias sem encontrar meus alunos, meus clientes, o pessoal do América. 100 dias sem fazer minhas caminhadas no campus da UFRN.

Nestes mais de 3 meses, um turbilhão de emoções. Alegria, alívio, tristeza, pavor, raiva, felicidade. Esse período parece uma sucessão sem fim de TPMs. Mulheres sabem bem o que é isso. Homens descobrem agora.

Há também uma sensação de impotência quando vemos um familiar organizar uma festa, um amigo visitar outro sem cuidados, vizinhos promovendo churrasco. Depois vem uma raiva de saber que são todas pessoas instruídas. Ignorância como escolha, pois.

No meio de tudo isso, um cabo de guerra político-eleitoral. Empatia cede lugar a discursos voltados a interesses mais mesquinhos, ainda que repetidores nem se deem conta disso. 

Uma medida tão simples quanto imprescindível é ignorada a olhos vistos: usar máscara. Ontem vi um taxista descer do carro para esperar um outro entrar numa padaria. Sem máscara, ele fez questão de se posicionar bem no meio da calçada, quase em cima da porta por onde clientes entravam e saíam. Suicida ou assassino, quem poderá saber? 

A pessoa que o acompanhava até entrou na padaria de máscara, mas logo deu um jeito de mastigar alguma coisa para também retirar sua máscara. Não dava para esperar chegar ao carro; era preciso comer logo ali. Suicida ou assassino, quem poderá saber?

Outro, cujas roupas revelavam a necessidade financeira, levava a sua máscara no queixo. Precisava fumar um cigarro na rua. Dane-se o risco!

Mais à frente, um outro parou com as sacolas da padaria nos arredores para abrir uma lata de cerveja para beber ali mesmo, em pé, com vista para o trânsito. Nem sinal de máscara.

Todos na padaria, todos homens. Mera coincidência ou o destino tentando me fazer ver algo que não consegui decifrar?

Neste aspecto de regras, o povo brasileiro segue à risca o seu padrão: só vale para os outros. É assim no trânsito, é assim na fila, por que haveria de ser diferente na pandemia? O que já vi de gente reclamar da quebra de distanciamento do outro quando nunca fez o seu próprio...

Distanciamento de 2 metros é outro tabu. Há uma necessidade inconsciente de colar no outro em qualquer lugar, especialmente em filas. Hoje no supermercado precisei colocar o carrinho atrás de mim para conseguir manter o homem que vinha depois a uma distância minimamente segura.

Espero que pelo menos a higiene pessoal esteja em dia para todo mundo. É o que ainda pode salvar os que ficam em casa se os que saem não chegam já infectados, mas tão somente carregando o Sars-Cov-2.

100 dias e agora o RN parece estar chegando ao pico da curva. Daí haverá uma manutenção de alta nos casos por mais 3-4 semanas para então termos a esperada baixa. Mas já querem abrir tudo como se não tivéssemos UTIs entupidas de enfermos e outras dezenas aguardando uma vaga. Aliás, o Alecrim e outros tantos pontos nunca fecharam...

Remédios "milagrosos" para evitar a infecção fazem tanto sucesso que há venda clandestina. Usar máscara e manter 2 metros de distância dos outros - única vacina verdadeiramente eficiente de que dispomos até agora e com custo praticamente zero - não agradam na mesma proporção de qualquer substância que termine em "ina". 

Para piorar, assistimos a uma verdadeira sucessão de eventos grotescos que parecem dispostos a varrer a humanidade da Terra. Mutação da Zika, nuvem de poeira, nuvem de gafanhotos, terremotos, furacões, terraplanistas e suas teorias que rejeitam a ciência, tudo ao mesmo tempo. Fora terremotos e furacões, todos os outros advindos em maior ou menor grau de nós, humanos.

Se superarmos tudo isso, acho que seremos imortais. Resta saber como sairemos mentalmente dessa pandemia e de tudo que ela nos trouxe até aqui nestes 100 dias.

Ah, se tivéssemos de fato abraçado o isolamento nestes 100 dias...


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