Não é mais possível seguir como estamos seguindo no futebol brasileiro, com a violência rondando a todos a cada partida de futebol que envolve torcidas tidas como inimigas.
Primeiro, quem é do esporte mesmo não compreende embates que não sejam esportivos. Essa selvageria que termina em espancamentos e mortes é qualquer outra coisa, menos esporte, menos futebol. E isso é um desalento para desportistas em geral.
Vejam, tomei a decisão de nunca mais colocar os pés no Barrettão após ficar com a minha família dentro do carro exatamente no meio de um fogo cruzado, inicialmente entre ditos torcedores, depois com disparos da Polícia Militar no ano passado. Eu me prometi, em escapando, não repetir a dose de risco.
Ontem, tentando alcançar o estacionamento da Arena das Dunas por volta de 1 hora antes do jogo, fui surpreendida com 5 viaturas na PM trafegando na contramão da Prudente de Morais. Era um corre-corre grande de torcedores (nem todos eram, mas como saber?) pela Prudente, pela Lima e Silva e pela Romualdo Galvão, até onde os meus olhos alcançaram.
Em frente ao portão do estacionamento, a tropa de choque marchava rumo ao acesso leste do estádio.
Ao chegar na área de transmissão da Rádio Mecão, fui informada de que acabara de acontecer um espancamento de um torcedor num posto de gasolina na Prudente, provavelmente o que motivou o deslocamento das viaturas da PM citado acima. Em instantes, começaram a circular imagens ultrajantes da covardia em ação. Dali a pouco, soubemos que o torcedor espancado estava internado em estado grave. Informações desencontradas davam conta de que ele era ora torcedor do CRB, ora do ABC.
Infelizmente, chegou a notícia de sua morte. Isso num jogo de torcida única, medida bradada como solução para selvagens.
Quanto tempo mais e quantas vidas mais e quanto pânico mais e quantos inocentes mais teremos para que criminosos sejam tratados como criminosos? Na semana passada, no Piauí, tivemos torcedores do América também espancados e encurralados, neste caso, dentro do estádio, num pânico que atingiu até os jogadores do América que testemunharam o ocorrido.
Quantos processados e punidos? Não há notícia. Uma roda de selvagens espancar uma pessoa caída ao chão não é vias de fato, não é confronto de organizadas, não é briga entre torcedores, é a mais pura selvageria direcionada a um homicídio. Sim, homicídio! Porque quem bate em conjunto com outros em alguém caído no chão, quem pega um pedaço de pau para bater na cabeça de quem está no chão, quem atira uma pedra na cabeça de quem não tem como se defender até pela inferioridade numérica projeta sim em sua mente (e deseja!) o resultado morte.
Até quando vamos achar que a solução é tão-somente atirar um spray de pimenta e distribuir bordoadas a torto e a direita com cassetetes? Até quando vamos achar que apenas tirar camisas e bandeiras de torcidas organizadas vai resolver? Solução é aplicar o Código Penal, ainda que em conjunto com Estatuto do Torcedor. Homicídio, espancamento, etc. não são coisas pequenas como discussões num estádio, ou empurra-empurra por ânimos exaltados por algum resultado de jogo. São crimes. CRIMES. E como tais devem ser punidos.
Se pequenos arruaceiros estivessem recebendo as punições previstas, como comparecer à delegacia ou a outro local para prestar serviço na hora do jogo, talvez as coisas não tivessem evoluído tão negativamente nesse tempo. Agora temos CRIMES, não meras infrações. Teremos as punições devidas ou vamos seguir achando que bordoadas distribuídas aleatoriamente resolverão?
Membros ou não de torcida organizada, não importa. Não podemos mais viver nesse faz-de-conta. Gente que faz de conta que vai ao jogo, mas que quer mesmo é tocar terror, polícia que faz de conta que previne e prende, mas que só chega para distribuir medidas repressivas inócuas, todo mundo fazendo de conta que torcida única resolve, como se torcer por um adversário fosse o problema.
Enquanto isso, fica o desgosto para quem gosta de esporte, para as famílias vitimadas e até para o futebol em si. Afastam-se os torcedores e ficam os selvagens que espancam até a morte fora do estádio mesmo, já que ver o jogo nunca fora o objetivo. É isso que queremos?
Não dá mais. A continuar assim, deixemos o futebol para lá. Não vale a pena. Viver, sim, vale a pena.
P.S.: Augusto César Gomes acabou de me informar que a vítima de ontem não morreu, o que representa um alento e tanto. Ressalto que continua a existir a tentativa de homicídio.