sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Natal de subjetividades

Véspera de Natal e logo cedo eu saí para deixar minha tia num exame médico. Naturalmente, acordei mais cedo ainda, antes das 6h, para ser mais exata. E logo lembrei que hoje o Carrefour abriu exatamente às 6h da manhã. Dureza ou conveniência? Pensei no shampoo mais barato que deveria ter comprado no lugar do condicionador, também mais barato, que comprei ontem por engano. Vai ficar mesmo para depois, ainda que fique mais caro. Todo ano eu evito, sempre que possível, o supermercado na véspera de Natal.

Aí lembrei que o 2.º garrafão de água mineral achou de acabar ontem bem depois de eu ter feito as compras. Ir ao Nordestão para garantir um fim-de-semana de cores festivas sem risco de sede? Também não vale a pena.

Esse ritmo todo de pensamento sendo possível porque a minha amiga cefaleia tensional resolveu dar um tempo e me deixou amanhecer na mais absoluta tranquilidade. A semana foi tão dura, inclusive com reação à vacina para Janaina, que o nosso "Bom dia" virou "Você está bem?".

A caminho do compromisso com minha tia cheguei a um sinal vermelho a tempo de ter a mente impressionada por uma imagem daquelas que primeiro reviram o estômago por tudo que representa, depois fazem refletir sobre o que são as verdades de cada um. Sinal vermelho, um carro estampa no canto direito superior do vidro traseiro em letras garrafais a tríade "Deus, pátria, família" do velho movimento fascista brasileiro Ação Integralista Brasileira, ou o integralismo, um outro nome bonito para o fascismo mesmo dos tempos de Plínio Salgado, para quem não faltou às aulas de História, e que trazia uma saudação para não deixar ninguém com inveja do que seguidores de Mussolini e mesmo de Hitler faziam na Europa à época.

Pois é, Natal, na véspera de Natal, em pleno 2.º ano pandêmico do século 21, tem um adesivo desse circulando. Mas a imagem que ficou foi a do carro que ostentava o triste adereço cortando o sinal sem a menor cerimônia e com muitos veículos vindo na preferencial estabelecida pelas luzes de trânsito. Revirou meu estômago duplamente só de lembrar que essa é a galera que jura que a lei é para todos... Todos os outros, né? Lei de trânsito não serve para cidadão de bem, uma das moléstias mais perturbadoras surgidas no fim da década passada e início da atual. Até porque o "bem" em questão não se deixa tocar por qualquer traço de ética e humanidade; é bem material mesmo. Se você é um cidadão de posses, então pode tudo. Aos outros, a lei.

Isso agora me traz ao discurso do prefeito antes mesmo de eu sair de casa no Bom Dia RN. Achei melhor nem ouvir. Defendia o indefensável: a destruição da beleza de Natal em troca de especulação imobiliária, a qual ele fez logo questão de taxar como "modernização". Eis um termo bonito. Quem danado pode ser contra a modernização, minha gente? É a velha tática de disfarçar destruição impingindo um rótulo que faz bem aos ouvidos descuidados. É especulação imobiliária que vai jogar a maior parte dos natalenses para fora de Natal pelo aumento do custo de vida (gentrificação), destruição da paisagem natural, impedimento da circulação natural dos ventos, loteamento da belíssima vista de Natal apenas para quem possa desembolsar muitos milhares de reais para morar num prédio entupido de gente e que vai disputar com outros tantos a visão do oceano que banha este paraíso. Vai sobrar caos no trânsito, contaminação de lençol freático, sombras para a praia na maior parte do dia. Eis a modernização vendida pelas construtoras e patrocinada pelo prefeito de Natal. As construtoras vendem o caos e depois também vão vender a solução que também vai causar mais caos, como a engorda da faixa de areia da praia.

Parece até com remédio que tomamos para curar uma coisa e depois temos que tomar outros tantos para lidar com os efeitos colaterais do primeiro, numa cadeia sem fim. Com a diferença que, neste caso, não há doença. O descuido alegado com a orla é patrocinado pela prefeitura mesmo que não cumpre sua obrigação de zelar por ela com saneamento, limpeza urbana, dentre tantos outros cuidados simples e imediatos.

Falta amor à terra natal de quem nos governa, para dizer o mínimo. Porque quem ama cuida. Mas o amor pela terra sucumbiu ao amor por outros interesses, como a "modernização", que trará um trânsito insuportável e nos sufocará tanto na temperatura como na falta de paisagem natural. Mas o que poderíamos esperar de uma gestão que fez um teste de trânsito (sem saber a efetividade) entupindo a Hermes da Fonseca de sinais e depois desistindo deles, como se dinheiro público brotasse em árvores? Não quero nem lembrar da distribuição de remédio de verme contra um vírus respiratório...

Aliás, não quero nem falar mais da previsível destruição de Natal, terra que amo como ninguém. Isso me machuca muito para uma véspera de Natal. Não que eu seja muito crente. Se fosse, talvez deixasse de ser com o rumo das coisas nos últimos anos. É uma sensação diária de que o mal vence. Basta ver a quantia de gente passando fome neste país, enquanto uma parcela da população paga quase R$ 2 mil reais para um evento no Réveillon, só para ficar num único soco no estômago. Não dá para aceitar de bom grado que tudo isso é compatível com o que pregam de Deus. É de enlouquecer!

Gosto do espírito de humanidade que parece se impor pelo menos nesta época. Isso me faz criar uma leve esperança. Por exemplo, quem passa o ano todo chamando pobre de vagabundo, enfim se sente bem distribuindo uma cesta básica. Parece que isso quita a dívida dos outros 11 meses. Ufa! Todo ano sonho que esse espírito seguirá, só para quebrar a cara logo no primeiro mês do ano seguinte. Quem sabe isso não muda agora?

Mais tarde vou reencontrar minha amiga-irmã e seus familiares que tenho como meus. É a tradição de todos os anos, quebrada no ano passado, e que será retomada hoje com direito a máscara N-95 para mim, Janaina e mamãe. É o tal do novo normal. Porque se a Covid até deu uma arrefecida, mas não foi embora ainda, agora é a gripe que nos atormenta de forma brutal. 

Voltando a Deus, eu acho que Ele anda vendo a humanidade como uma praga urbana, como baratas, e anda testando todos os métodos possíveis de eliminação (inseticida, chinelo, vassoura, governos tipo Bolsonaro e Trump...) para ver o que efetivamente vai funcionar. Resistiremos? Se sim, aguardemos o próximo método.

É triste ver as coisas assim, mas não consigo evitar. Pelo menos não ando propagando que a vida melhorou com aumento de 50% da gasolina neste ano e com uma volta forçada aos anos 80 no que eles tinham de pior. Sem acomodação, posso sonhar com uma vida melhor de verdade, isto sim, o verdadeiro milagre natalino. 

Apesar de tudo, desejo de verdade um Natal de paz e harmonia para todas as famílias. Desejar paz e harmonia é desejar que tudo o mais se resolva porque só temos paz e harmonia se nossas vidas têm sentido. Que tudo faça sentido! E também muito cuidado com todas e cada uma das pessoas porque ainda estamos vivendo uma pandemia. Que façamos e tenhamos um Natal feliz e uma Natal feliz para todas as pessoas, sejam elas ricas ou pobres. 

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