Nos dias 13 e 14 de novembro, o Centro de Convenções de Natal sediou o tradicional Congresso Brasileiro de Direito Processual em sua 17.ª edição. O tema discutido em quase todas as conferências foi o novo Código de Processo Civil brasileiro, que está em sua última votação no Congresso Nacional e pode (não é certo) ser aprovado ainda neste ano ou em 2015 para entrar em vigor em 2015 ou 2016.
E quais foram as impressões dos palestrantes? Nada boas, o que me deixou bastante preocupada. É certo que mudanças são sempre inquietantes porque quebram o status quo e assim demandam energia para novas adaptações. No entanto, a opinião de todos os palestrantes foi muito negativa, no geral, a respeito do novo CPC.
O grande Nelson Nery Júnior, cujo código comentado vem ensinando gerações e gerações de operadores do Direito, negou veementemente que o nosso atual código processual estivesse defasado ou mesmo atrapalhando o desenvolvimento das demandas judiciais. Para o eminente jurista, o problema está na estrutura do Poder Judiciário, esta sim defasada, não nas leis. Ele ainda criticou o viés autoritário do novo CPC, surgido de imposições dos tribunais superiores, especialmente STJ e STF, e carregado da famosa jurisprudência defensiva - verdadeiros obstáculos impostos pelos tribunais superiores ao avanço de demanda dos jurisdicionados.
Elpídio Donizetti arrancou boas risadas da plateia em suas críticas às inovações impostas pelos tribunais e ao fato de que o poder econômico domina os rumos do Brasil, e afirmou categoricamente que um dia todos nós teremos que voltar a utilizar a lei, não decisões judiciais.
Numa análise mais trabalhista, o professor Leone Pereira traçou alguns parâmetros da nova lei de recursos trabalhistas (Lei n.º 13.015/14) em conformidade com o novo CPC e a tendência de que tudo gire em torno das decisões dos órgãos colegiados.
Carlos Alberto Carmona foi extremamente duro em suas primeiras palavras em relação a críticas ao novo CPC - muito ruim em sua opinião -, mas enfatizou que é preciso entender que ele será, querendo ou não, o norte da vida judicial brasileira. Ele ainda ressaltou que os tribunais, ávidos por se livrarem de processos, enfrentarão uma enxurrada de mandados de segurança contra os mais variados atos judiciais, numa volta ao que se tinha antes do atual CPC. Com um agravante: mandados de segurança permitem sustentação oral, o que já demonstra o verdadeiro tiro no pé que os tribunais deram com a jurisprudência defensiva implantada no futuro código. Também chamou atenção para o aumento de dispositivos em relação ao código atual escondidos em incisos e parágrafos.
Misael Montenegro não mudou uma vírgula nas críticas dos antecessores.
Assim, logo nas conferências iniciais, quase saí em depressão do Centro de Convenções tarde da noite na quinta-feira.
No dia seguinte, uma abordagem mais trabalhista trouxe detalhes sobre a posição do TST sobre a terceirização de serviços. Obviamente, o ministro Alexandre Agra defendeu o tribunal a que pertence. Também não surpreendente foi o palestrante do escritório Pipek (perdi o nome dele em virtude de substituição de última hora) defender, muito bem, diga-se de passagem, a falta de uniformidade na posição do TST.
Wolney de Macedo Cordeiro mostrou-se, apesar de desembargador, extremamente preocupado com a figura do juiz de 1.º grau, engessado por ter que seguir precedentes dos tribunais, e mais: ter que ir buscar a fundamentação dentro dos precedentes, num estilo inglês (distinguishing e overruling) que nem os ingleses querem mais, segundo Nelson Nery.
Daniel Assumpção Neves fez excelente palestra sobre as mudanças na fase de execução, que também, em geral, ficará pior, ante a demora em obter certidão da execução para averbação antes mesmo da intimação do executado, fora a presença de dispositivos desnecessários sobre a penhora online. Também trouxe a realidade de que as sentenças declaratórias passarão a ser executadas, o que deve ter causado reboliço a Pontes de Miranda e Ovídio Batista em seus túmulos.
Rodrigo Cunha Lima Freire abordou didaticamente as mudanças no sistema recursal, como a eliminação do juízo de admissibilidade diferido (realizado no 1.º grau, por exemplo) para reduzir o número de agravos de instrumento. E o fim (não se sabe ainda) do agravo retido, pelo menos até agora, além da eliminação de algumas incongruências impostas pelos tribunais na prática do CPC atual, especialmente quanto a meras irregularidades no preparo, por exemplo.
Marcus Aurélio Barros abordou o fim do processo cautelar, mas não da tutela cautelar. Aliás, as tutelas agora são chamadas de urgência e de evidência, numa mudança apenas de nomenclatura. O mesmo tema foi abordado no fim da conferência por Alexandre Freitas Câmara, que enfatizou que o fim do processo cautelar é, na verdade, sua transformação em fase cautelar, como já ocorrera com a fusão do processo de conhecimento e do processo de execução. Tudo constituirá um único processo, com um único preparo.
Marcelo Navarro abordou a excrescência que foi imposta pelo projeto aos embargos infringentes, que nunca atrapalharam o andamento processual nos tribunais brasileiros. Segundo o projeto atual do novo CPC, quando a votação terminar em maioria, por exemplo 2x1, será designada nova sessão para a continuidade do julgamento com convocação de dois novos desembargadores. Segundo o desembargador federal, é melhor ficar com os atuais embargos infringentes do que ter essa medida que paralisará sobremaneira a justiça brasileira. Como já em última votação, a luta é para que os embargos infringentes sejam suprimidos do texto final.
Fernando Garjadoni finalmente trouxe algo de positivo do novo CPC: a flexibilização do rito, desde que fundamentada, por parte do juiz. Embora já ocorra atualmente, a explicitação da regra no novo CPC evitará recursos desnecessários dos que são profundamente legalistas. As próprias partes poderão acordar a flexibilização do rito, embora isso seja mais provável de ocorrer como escolha antes da ocorrência do litígio do que em seu desenvolvimento.
André Roque trouxe o verdadeiro desafio dos juízes de primeiro grau em relação ao dever de fundamentação imposto pelo CPC. Embora evite decisões de fundamentação esdrúxula como ocorre aqui e ali atualmente, a mera citação de ementas como embasamento não serão mais aceitas, cabendo ao magistrado analisar em sua totalidade o acórdão utilizado como base para extrair a ratio decidendi do caso semelhante ao litígio em questão. O novo código ainda explicita o que NÃO é fundamentação de sentença, e certamente teremos uma enxurrada de sentenças anuladas a entravar ainda mais o funcionamento do Poder Judiciário a partir dessa regra de que é preciso buscar a ratio decidendi, não apenas a ementa, dos acórdãos embasadores. Oremos.
Enfim, de parabéns o Instituto Brasileiro de Ensino e Cultura (IBEC) na pessoa do Desembargador trabalhista Bento Herculano pela realização de palestras tão abalizadas sobre assunto deveras fundamental na vida de todos os brasileiros (sim, o desenvolvimento adequado do processo judicial diz respeito não apenas a advogados, mas a todos que possuem direitos a ser defendidos neste país).
É hora de abrir o olho para o que surgirá na última votação. De certo apenas o fato de que teremos mudanças profundas no processo civil brasileiro. Boas ou más, só o tempo dirá. Entretanto, as perspectivas não nos deixam ter esperança de melhora e celeridade, já que, como sempre, atacamos os efeitos, nunca as causas. Até quando?
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