sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Como as coisas mudam

Cresci no finzinho da ditadura. De memória privilegiada, como tanto exaltam familiares e amigos, lembro-me de coisas de quando tinha apenas um ano de idade. Lógico que, quanto mais próxima a lembrança, mais riqueza de detalhes.

Lembro das camisetas  e bandeiras da campanha de José Agripino em 82. Enfrentava Aluizio Alves. Muita gente na Rua Princesa Isabel para ver a carreata/passeata da vitória.

Lembro de Carlos Alberto em campanha na TV com as mãos acorrentadas e com o bordão "vamos quebrar as correntes".

Lembro de como as pessoas comentavam a respeito do Presidente João Figueiredo, tido como ruim por não gostar do povo.

Lembro da disputa Paulo Maluf x Tancredo Neves no Congresso Nacional, da vitória do primeiro civil depois de longos anos da ditadura.

Lembro da morte de Tancredo bem perto do meu aniversário, uma tristeza sem fim da população que enfim parecia se soltar das amarras da repressão imposta pelos militares.

Lembro do "sopro forte no Rio Grande do Norte" do "tamburete" Geraldo Melo.

Lembro do terror que as campanhas de Lula e Brizola causavam à população em geral, ante os boatos de que se um deles ganhasse, os militares reassumiriam o poder.

Lembro do debate Collor x Lula com jornalistas de vários canais (Boris Casoy é o mais vívido em minha lembrança), quando o caça-marajás afirmou em alto e bom tom: "eu nem sei se meu adversário sabe ler".

Lembro de Collor pedir que seus apoiadores saíssem às ruas vestidos de verde e amarelo para demonstrar que o povo estava do seu lado. Grandes hordas vestidas de preto pediram o seu impeachment.

Lembro de ter dado muitos votos a Lula e ao PT a partir dos meus 16 anos. Da alegria de ver a eleição de Lula pela primeira vez.

Lembro da decepção em ver o PT apoiar uma reforma da previdência pior do que a proposta por FHC e expulsar membros que se mantiveram fieis aos antigos ideais do partido.

Lembro da tristeza de constatar que quem critica, em se tratando de campanhas eleitorais, é porque gostaria de fazer igual ou pior se tivesse a chance.

Lembro deste ridículo caso do Mensalão e da desfaçatez do Presidente do Brasil ao dizer que tudo não passava de mero caixa 2 de campanha e que ele de nada sabia.

Como um presidente pode se prestar ao papel de ir para TV defender um crime? 

Agora em 2012, o STF analisa mais de 80.000 páginas que compõem o processo que tinha 40 réus (número sugestivo) e termina por condenar 25 deles por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção ativa/passiva, formação de quadrilha... 

Sabem qual é a reação do PT, aquele partido que sempre esteve ao lado do povo na busca da democracia? Acusar o maior órgão da justiça brasileira, guardião de nossa constituição - tida como constituição-cidadã e uma das mais avançadas do mundo-, de realizar um julgamento político.

Nunca me senti tão enojada na vida. Já vi de tudo na política: inimigos viscerais abraçando-se como irmãos de sangue; opiniões sendo disfarçadas descaradamente; famílias desfeitas na busca pelo poder. Mas confesso que ver um partido político que se diz defensor da democracia, que lutou contra a ditadura, não ter o mínimo pudor de atacar o Poder Judiciário e a imprensa de um país somente porque membros seus foram julgados por corrupção é algo que me deixa seriamente perturbada.

Quer dizer que quando a imprensa denunciou os crimes de Collor, tudo era justo exercício da liberdade de imprensa e de expressão, mas quando os crimes denunciados foram perpetrados por membros do PT, agora tudo não passa de movimento de um imprensa golpista, a serviço de rancorosos conservadores?

Que o julgamento, dirigido pelo então presidente do STF, que afastou Collor da presidência da república era a mais fiel expressão das provas coletadas, e que o julgamento que determina a prisão por corrupção de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, algumas figuras expressivas do PT que desviaram recursos públicos, não passa de distorção de fatos empreendida pelos mais renomados magistrados brasileiros (muitos nomeados por Lula e Dilma, diga-se de passagem) por mero sabor político?

Aí vem o Ministro da Justiça e, ante a iminência da prisão de José Dirceu, "descobre" que a situação do sistema penintenciário brasileiro é tão degradante que ele prefere morrer a ser mandado para a prisão.

Parem o mundo que eu quero descer! O PT simplesmente iniciou um movimento para tentar anistiar os bandidos de colarinho branco, somente porque oriundos de sua cúpula.

A sociedade brasileira não pode e nem vai admitir tamanho golpe às nossas instituições.

Todos são iguais perante a lei. Mas o PT agora defende que alguns são mais iguais que os outros. Uma vergonha!

Tenho certeza de que os militantes históricos devem estar boquiabertos com a desfaçatez desses dirigentes e que, mais cedo ou mais tarde, o verdadeiro PT recobrará a consciência e tentará remediar essa terrível mancha em sua história, sob pena de o PT caminhar a passos cada vez mais largos na direção de ser mais uma dessas legendas espúrias que rasgam os estatutos a cada possibilidade de ganho político.

Afinal, as figuras passam, masa história e a dignidade de um partido ficam. Ou não?

Um comentário:

  1. Adorei o seu texto. Eu não tenho tantas lembranças da nossa história política, mas a minha família tem. Meu avó foi perseguido pela ditadura. Minha família era toda PT. Minha mãe, meus tios, minhas tias, meus avós. Eles apoiavam esse partido porque esperavam mudança. O meu primeiro voto foi para Lula, o segundo para Marina Silva e o terceiro para Dilma Rousseff. Estou decepcionadíssima também. Principalmente com os acusados por corrupção como José Dirceu. Ele deu grande contribuição ao nosso país no passado e se vendeu. Vendeu também a esperança de muitos brasileiros que ainda acreditavam na política. Entretanto, assim como você, eu ainda espero que o PT caia em si.

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