Sempre que vejo os comentários da imprensa brasileira sobre o futebol nacional, em especial o da seleção masculina de futebol, eu penso que ou todos enlouqueceram, ou a louca sou eu.
A cada jogo, a análise só se refere à nossa seleção, como se não houvesse do outro lado uma seleção que também quisesse vencer.
A impressão que tenho é que a imprensa brasileira vive em outra realidade, está presa a um passado distante, ainda nos tempos de Pelé, em que até seria admissível tal pensamento. Afinal, o Brasil foi bicampeão mundial de verdade (duas conquistas em sequência: 1958 e 1962). Mas olha que perdeu em 1966, ganhou em 1970 e sofreu um jejum de 24 anos para ganhar um novo título.
Os jornalistas esportivos brasileiros conseguem passar a ideia de que são profundos conhecedores de futebol analisando apenas a seleção brasileira. Um feito e tanto! Vivem de exaltar a Argentina, que empatou nesta Copa América com o azarão Paraguai após estar vencendo de 2x0. Exaltam Alemanha e Holanda que perderam neste mês dentro de casa, de virada, para os Estados Unidos (2x1 e 4x3, respectivamente). Será que essas criaturas percebem que o futebol mudou?
Não há mais seleção imbatível. Nem no basquete. Para piorar as coisas para o nosso lado, a safra de jogadores brasileiros é muito ruim se comparada às conquistas anteriores. Hoje os atacantes brasileiros estão mais preocupados com tatuagens e cabelos, dentro de suas estratégias de marketing para se destacar da manada, do que em acertar o gol aberto, sem goleiro. Isso é exclusividade do Brasil? Não. Exatamente por isso, o futebol não combina mais com salvadores da pátria ou individualismos. Explico melhor.
Antes as seleções eram agrupamentos de individualismos, ganhando a que tivesse mais gênios em campo. Hoje, o agrupamento é de estrelismos, o que termina por dar vantagem a seleções operárias, que jogam feito um relógio, tais como a Alemanha, atual campeã, e os Estados Unidos, em franco crescimento por não terem sido ainda contaminados por essa doença do marketing.
Mas a imprensa daqui insiste em dizer que o problema seria Dunga. Parecem não perceber a grande diferença que é treinar o time de um clube e treinar uma seleção. A começar de que ou o cara vê no banco alguém com mais conquistas que ele, ou o respeito é zero. Dunga foi campeão como jogador e representa o futebol operário, sem estrelismos. Já está de bom tamanho para a nova realidade. O que a imprensa precisa fazer é cobrar empenho de quem veste a camisa da seleção. Eu, por exemplo, não vi uma linha a respeito do papelão de Neymar contra a Colômbia. Passou o jogo inteirinho procurando confusão. Futebol, que é bom, nada. E ainda conseguiu a proeza de ser expulso com a partida terminada. Muito pelo contrário, achei gente dizendo que a culpa era de Dunga por colocar Neymar em tamanha pressão. É sério isso? Vamos entrar naquela pilha de um bando de meninos chorões achando que podem jogar futebol com os adultos? Por favor...
Ser treinador da seleção brasileira é ser inimigo público número 1 da imprensa do Brasil. Tudo é motivo de crítica. Nada está certo. E a galera torce mesmo contra, sem qualquer vergonha. Diminui vitórias a todo custo e fala de derrotas do Brasil como se este tivesse jogado contra o selecionado solteiros x casados do bar da esquina.
Será que essas criaturas já perceberam que no futebol de hoje quem consegue fazer 1x0 - seja em falha do goleiro, em pênalti mandrake, ou até em gol espírita - terá 99,99% de chances de sair vencedor? Viradas são artigos cada vez mais raros ante o nivelamento do futebol. Um pouco menos rara é a chance de empatar, mas não deixa de ser rara. Realidade tão comum, isso é visto pela imprensa do Brasil como um pandemônio, algo como uma catástrofe. Aí eu me pergunto: será que esse povo assiste a futebol sem os olhos de torcedor?
Esporte coletivo é coletivo. Óbvio assim. Os talentos individuais têm que ser aplicados em prol do coletivo e não o contrário. A imprensa daqui anda pregando agora que o Brasil depende exclusivamente do futebol de Neymar. Se o Brasil vence com ele, foi só o talento dele. Se perde, a culpa é do treinador. Ridículo. É o mesmo que fazem com Messi. Bota Neymar sozinho em campo para ver o que acontece! Neymar, como atacante, cumpre a função de marcar gols. Não é dependência, é função. Então, o Brasil também apresenta extrema dependência de Jefferson, o goleiro. E é claro que o talento dos jogadores, quando aplicado ao coletivo, faz diferença. Do jeito que o pessoal da imprensa fala, parece até o fim do mundo se Neymar não jogar. Alguém acha mesmo que o Brasil venceria a Alemanha na Copa 2014 se Neymar estivesse em campo? Acho que os 7x1 respondem. Mas tem gente que ainda não entendeu. Como explicar a derrota para a Colômbia com Neymar e a vitória sobre a Venezuela sem Neymar? E antes que alguém diga qualquer gracinha, a Venezuela venceu a Colômbia na 1.a rodada pelo mesmo 1x0.
Então, minha gente, deixemos o mau humor de lado e aceitemos com bom humor a realidade atual do futebol. Ou corremos o risco de os humilhantes 7x1 sofridos dentro de casa não terem servido de absolutamente nada. Futebol é coletivo. Individualismo fica para o Playstation.