O primeiro presidente do Brasil a sofrer um impeachment, Fernando Collor até um dia desses queria se candidatar novamente à presidência deste país.
Na semana passada, a repórter Marcela Mattos (Veja) o entrevistou a respeito da Lava-Jato. E aquela velha empáfia até na lida com os jornalistas continua lá, mas não deixa de valer a pena conferir sua visão dos acontecimentos. Vamos aos trechos.
O senhor é corrupto?
Não. Não sou.
Não? A Lava-Jato encontrou comprovantes de transferências de dinheiro do doleiro Alberto Youssef para o senhor.
Não tenho a menor ideia do que essas transferências significam. Quando o dinheiro surgiu, questionei a origem dele. Não conhecia a pessoa, não sabia de quem se tratava. Pedi ao banco que o deixasse fora da minha conta até que a polícia visse o motivo daquele depósito. O dinheiro continua na conta. Está à disposição. Se o Youssef quiser mandar pegar e a Justiça autorizar, pode pegar. Está lá.
Qual será o reflexo da Lava-Jato nas eleições?
A Lava-Jato tem uma parcela de influência nesse eleitorado que diz que não vai votar e, se for, votará nulo ou em branco. O eleitorado votante vai escolher, então, aqueles que demonstrarem ter a melhor proposta.
O eleitor não questionará as biografias criminosas?
Haverá questionamentos, se o candidato é réu ou não. É um peso que será considerado, mas que não vai definir. A Lava-Jato não demoliu a classe política, porque a classe política continua aí. Se alguém achar que o Congresso vai mudar muito, estará errado. O Congresso vai continuar da maneira que está.
A Lava-Jato então em nada vai mudar a classe política?
A Lava-Jato tem a sanha de demolir a classe política, mas não vai conseguir. Foram cometidas várias injustiças. Excetuando-se o período da atual procuradora-geral da República, tivemos nos últimos anos dois gângsteres à frente da PGR: Roberto Gurgel e Rodrigo Janot. Eles fizera, da Procuradoria um antro de chantagem. A prova mais evidente é o pelanco de gângster e braço-direito de Janot, Marcello Miller, que, no exercício da função, ajudou executivos da JBS a preparar a sua delação. Isso não foi a troco de nada.
Foi a troco de quê?
Foi a troco de um vantajoso e volumoso butim. A Procuradoria quis tornar-se um quarto poder. Isso contaminou, inclusive, a Justiça comum. A legislação diz que o juiz natural da causa depende do crime e do lugar em que ele ocorreu. E estabeleceu-se que um juiz de primeira instância em Curitiba fosse o juiz natural [Sérgio Moro] de todas as causas da Lava-Jato, o que o transforma num senhor acima do bem e do mal.
O senhor pode ser o segundo ex-presidente a ser condenado e preso por corrupção [o primeiro foi Lula].
Vou provar a minha inocência e, assim, demolir - volto a citar esse verbo - as acusações. As delações sem provas são usadas para incriminar pessoas. E delações feitas por pessoas que querem lavar os seus malfeitos à custa da reputação alheia. No momento sou pré-candidato à Presidência [o PTC anunciou posteriormente sua desistência] e pretendo apresentar meu programa ao julgamento do povo.
O senhor também considera a prisão do ex-presidente Lula uma injustiça?
Ao que parece, vem sendo cometida uma série de injustiças. O rito com que os processos dele vêm sendo tratados é turbinado. Além disso, avalio a pena como exagerada. O mesmo TRF-4 que nos proporcionou esse espetáculo absolutamente surrealista no domingo [ordens e contraordens sobre a prisão de Lula] recebe uma sentença de nove anos dada ao Lula e a aumenta em mais três anos sem apresentar nenhum fato novo.
Lula também não é corrupto?
Eu não acho que o Lula seja corrupto.
Como é passar por um processo de impeachment?
É um sofrimento terrível. Lembro que naquela época havia racionamento de energia. Eu apagava as luzes e ficava na sala da Presidência com apenas três lâmpadas acesas. Despachava de manhã cedo e, quando chegava a tarde, não havia nenhum pedido de audiência. Era eu sozinho, apenas aguardando o fim do dia, pegando o elevador com o ajudante de ordens. Pensei em suicídio duas vezes.
Essa experiência pesou na hora do seu voto pelo impeachment de Dilma?
Não. E não foi por falta de aviso. Era um filme que eu estava revendo. Faltando uma semana para a votação, fui ao Alvorada. Dilma estava feliz da vida. O estado de espírito era o de que não estava acontecendo nada e tudo seria resolvido. Ela foi cassada pela soberba, pela falta de humildade, por não aceitar sugestão de uma pessoa que só queria ajudar. Quando Antonio Palocci ainda era chefe da Casa Civil, pedi uma audiência com ele. Disse que estava preocupado com o andamento dos fatos no Congresso e que, se Dilma continuasse daquela maneira, as coisas caminhariam para o impeachment. Ele me olhou com uma expressão que não escondia certo desprezo.
O senhor concorda com a comparação segundo a qual o deputado Jair Bolsonaro seria um novo Collor?
Vejo apenas uma coincidência entre esta eleição e a de 1989: o número elevado de candidatos a presidente. Nas duas disputas, isso foi motivado pelo fato de os presidentes - José Sarney antes e Michel Temer agora - serem extremamente mal avaliados. Mas, em relação ao Bolsonaro, não vejo nenhuma semelhança. Eu não era um outsider. Minha família sempre esteve envolvida na política. Se o eleitorado for minimamente exigente, a tendência é que ele caia. Mas é bom observar. Quando a gente vê Bolsonaro falar barbaridades e ser aplaudido por um auditório seleto, percebe que alguma coisa está mudando na cabeça do povo.
Existe algo mais escalafobético do que confiscar a poupança?
Você tinha quantos anos nessa época, minha filha? Nunca houve confisco. Quando assumi, a inflação estava em 82% ao mês. Houve um bloqueio temporário de ativos. Precisávamos debelar o processo inflacionário. A única alternativa era o congelamento de preços. Era um caso de emergência.