Saiu na edição de domingo da Tribuna do Norte, que todo mundo sabe fica quase 100% pronta ainda na sexta-feira (a edição de sábado fica pronta depois, por incrível que pareça!). O presidente do Sindicato de Árbitros de Futebol do Rio Grande do Norte deu entrevista ao repórter Felipe Gurgel, na página 8 do caderno de esportes. Como há um declarado embate entre Sindafern e América, tanto que o presidente Beto Santos deu uma entrevista pós-jogo no sábado chamando o Sindafern para o debate, usando até termos duros como chantagem, acho que vale compartilhar a manifestação de Luiz Carlos Câmara exatamente como publicada na versão impressa da TN (inclusive pequenos erros de grafia, concordância e pontuação).
"Como o sindicato está analisando essas críticas que os árbitros do Rio Grande do Norte estão recebendo ultimamente?
As críticas contra os árbitros sempre existiram, isso não é novidade e já estamos acostumados a sofrer pressão, dentro de campo, principalmente. A novidade é a nossa saída do silêncio sepulcral, de um século, onde ninguém nunca falou nada em defesa da nossa classe, que é trabalhadora como qualquer outra. Estamos buscando o respeito ao nosso espaço.
Essas críticas são pesadas?
Não digo que são pesadas e sim, infundadas. Existe um estudo que mostra, principalmente nos clássicos, uma estatística dos jogos apitados por árbitros locais e de fora. E, nesse levantamento, não existia diferença nenhuma. O árbitro só garante presença na próxima escala, se for bem na que está atuando. Ninguém vai para campo querendo fazer um trabalho ruim, para ficar de fora da próxima escala. Só garanto o amanhã, fazendo meu trabalho bem hoje.
Existe alguma comunicação entre o sindicato e os clubes?
É cada um na sua. Principalmente porque o sindicato é formado por abnegados, até por satisfação pessoal, sem nenhum interesse financeiro.
Não só aqui no Estado que a arbitragem sofre com críticas. No Brasil inteiro os árbitros são criticados. Como você enxerga esse momento?
Poderia responder isso com a seguinte frase: o futebol é jogado por seres humanos e apitado por seres humanos. Os atletas erram e os árbitros também erram. Mas, está existindo um avanço nisso. Na minha época, o árbitro se formava e já era jogada em jogos profissionais, em clássicos. Hoje em dia não. Existe uma escola de arbitragem, assessores, observadores, que conversam. Instrutores Fifas estão vindo para cá passar experiências. Na pré temporada desse ano, vieram Antônio Pereira e Ana Paula, ambos que já foram Fifa. Tivemos teste teóricos e físicos, com muitos sendo reprovados. Não é qualquer um que chega e vai trabalhar no Estadual. Hoje existe toda uma escola de formação para o árbitro.
Vocês se acham diminuídos quando um clube daqui solicita um árbitro de fora para apitar?
Quando nós somos escalados para trabalhar em um determinado jogo do Estadual, a mensagem que passa é que não temos condições. Ano passado, trabalhamos na final da Copa do Nordeste, com mais de 65 mil pessoas no estádio e fomos elogiados por todos, como é que não temos condições de trabalhar em um jogo para 10 mil pessoas aqui no nosso campeonato? É uma incoerência. E já estamos escalados para a primeira rodada da Copa do Nordeste desse ano.
Um ex-dirigente, através das redes sociais, pediu que os árbitros do RN não fosse escalados para competições nacionais. Como vocês lidam com isso?
Respondemos dentro de campo. Estamos buscando nosso espaço, da valorização profissional. E não estou falando na parte financeira. Se um assistente nosso trabalhar com um árbitro de fora em clássico aqui, ele vai receber R$ 2 mil. Se for com um profissional daqui, recebe apenas R$ 550, quase quatro vezes menos. O que estamos questionando é a valorização do ser humano, do profissional da casa, que precisa ranquear. Quando chegamos no Brasileiro, conta muito quantos e quais os jogos ele trabalhou aqui. Não pensamos nem na parte financeira, porque, se fosse assim, era mais vantagem trabalhar com um árbitro de fora.
Como é feita ou escalonada a remuneração dos árbitros?
O torcedor não tem noção como isso é feito e pensa que é o clube que paga a arbitragem. Quem paga é a Federação Norte-riograndense de Futebol. Se for um clássico entre ABC e América, o valor é R$ 1.100. Se for um jogo envolvendo um desses dois clubes, esse valor cai para R$ 700 e os demais jogos, o árbitro recebe R$ 600. No caso de uma arbitragem de fora, a FNF repassa os R$ 1.100 e o clube arca com R$ 2.900, para chegar aos R$ 4 mil. Além disso, o clube também é responsável pelas passagens e hospedagem do árbitro. Um valor que pode chegar perto dos R$ 10 mil, quando não era para pagar nada.
A remuneração deveria ser melhor?
Acho que sim. Se formos comparar com o que ganham os jogadores e os técnicos de primeira linha, se trabalharmos a vida toda, não iremos ganhar o que eles ganham mensalmente. Um árbitro Fifa ganha, por jogo, R$ 4 mil. Para ter um bom salário, tem que trabalhar toda a semana, mas tem os descontos e os investimentos em psicólogo, nutricionista, preparador físico. Se investir em estudos para um concurso em outra área, é bem mais rentável.
Por isso a decisão de não trabalhar caso um clube solicite uma arbitragem de fora do Estado?
Essa decisão foi tomada em uma assembleia, que é soberana. A FNF foi comunicada e foi um grito que rompeu um silêncio. A Federação fez uma proposta de diálogo e, como toda classe trabalhadora, estamos dispostos a dialogar. Convocamos uma outra assembleia, ainda sem data, para discutirmos essa proposta da Federação. Vamos avaliar e tentar chegar a um denominador comum. Estamos abertos ao diálogo. Essas decisões são tomadas em assembleias e são revogadas, ou não, dependendo das negociações.
É comum nos Estaduais, quando um clube se sente prejudicado pela arbitragem, vetar o árbitro para futuros jogos seus. Eles tem esse poder?
Na realidade, não existe isso, um veto ao árbitro. O que existe é a preservação do profissional na próxima partida. Se um árbitro não foi bem em um jogo de uma determinada equipe, é bom se preservar. Não tem porque colocar ele, novamente, em um jogo daquela equipe que ele foi mal. Não é bem uma questão de veto. Mas, existe o interesse e a inteligência da Comissão de Arbitragem de preservar um árbitro.
A profissão de árbitro é desvalorizada de uma forma geral?
Deveria ser melhor reconhecida, mas estamos avançando, não só aqui, como no Brasil inteiro. Ano a ano estamos avançando. Agora, existe uma dificuldade. Para profissionalizar uma profissão, tem que existir recursos e para profissionalizar um árbitro de futebol, tem que existir bastante recurso. Imagine aqui no Estado. Enquanto isso não acontece, o árbitro tem que ter outro emprego, precisa trabalhar o dia todo. Para entrar no quadro nacional, ele precisa estar cursando uma universidade e acaba estudando a noite. Sendo que precisa treinar. De que horas? Ou de manhã cedo, ou na hora do almoço ou depois da faculdade. E tem que treinar, no mínimo, cindo dias por semana, já que o teste é difícil. A nossa situação não é diferente de nenhum outro trabalhador de qualquer categoria.
A profissionalização seria a melhor maneira de minimizar os erros de arbitragem?
Com certeza. O árbitro vai ser apenas árbitro e vai se dedicar apenas a sua profissão. Em rodado do meio de semana, o profissional viaja na terça, trabalha na quarta e volta na quinta. Só aí, já faltou três dias no seu trabalho. Se ele é profissional, não precisa disso. Como um árbitro vai se manter em um emprego que tem que faltar três dias na semana, sendo que são cindo dias de trabalho? Ai é que está a dificuldade. São esses problemas que sentimos no dia-a-dia que o torcedor, que também é trabalhador, não sabe.
A tecnologia no futebol pode facilitar o trabalho de vocês?
Temos, em grandes jogos, de 30 a 40 câmeras no estádio e o árbitro só tem dois olhos. Trabalhamos em equipe, mas não conseguimos cobrir todos os ângulos. Já existem esportes que você pode dar vistas ao vídeo por duas vezes, como o vôlei, o tênis e o próprio futebol americano. Na Copa do Mundo, foi utilizada a bola com chip, para acusar quando a bola entrar no gol. Isso é questão de justiça, para aquela equipe que está ali, trabalhando. Nada mais justo que a tecnologia ser incrementada no futebol.
Mas teve dirigente da CBF que disse que o bom do futebol são essas dúvidas. Você concorda com isso?
Não. O que não pode é poluir o jogo. Não deixar que os clubes tenham, quantas vezes quiserem, a oportunidade de pedir vistas ao vídeo de um lance. Aí a partida não vai acabar nunca. Duas oportunidades é o número ideal, na minha avaliação.
Tem como acabar com os erros da arbitragem?
Só se o árbitro deixar de ser humano ou no vídeo-game. Lá ele nunca erra. Só quando os jogadores deixarem de errar, os treinadores deixarem de mexer errado. Todo mundo erra, é uma combinação de fatores.
A pressão dos clubes pode atrapalhar dentro de campo?
Os árbitros já são preparadores para isso. Quando chega no profissional, já passou pelo juvenil, juniores e até me campeonatos de bairros, que é bem mais difícil, principalmente em relação a segurança. Ele já está acostumado com a pressão e está ali para fazer o melhor, para o jogo e para a sua carreira."
Com duas coisas eu concordo plenamente: é preciso profissionalizar a arbitragem e errar é humano. Não dá para imaginar alguém deixando seu emprego fixo pelo menos uma vez por semana para apitar um jogo de futebol. Árbitros deveriam ter uma remuneração fixa de acordo com o quadro a que pertencem e uma parte variável de acordo com a produtividade. Quase como o bicho pago a jogadores de futebol.
Quanto aos erros, são mesmo esperados. O que eu acho é que o futebol é um esporte de máximo contato e os árbitros precisam se preparar melhor para perceber quem é que busca o contato para cavar falta. O futebol brasileiro é pródigo em simulações. E muitos contatos são próprios da aplicação das leis da física, sem qualquer intenção de se violar uma norma esportiva.
Já sobre o posicionamento do sindicato de sugerir ao América que trouxesse quartetos de fora até para jogos da categoria de bases soou como ressentimento e até mesmo ameaça. Não ficou bem. Como disse aqui em outra postagem, à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta. O sindicato jogou uma enorme sombra sobre toda e qualquer atuação de árbitro que seja seu filiado nos jogos do América. Lutar por valorização e profissionalização é uma coisa. Atuar colocando em xeque a ética de seus filiados foi e é uma tremenda bola fora.