É estranho como não sabemos nossa reação aos mais variados fatos em nossas vidas. Por exemplo, lembro quando muito criança ainda que eu dizia que jamais deixaria um ladrão levar algo meu. Iria dar um tapa nele e sair correndo. Nem preciso dizer que meu primeiro encontro com um ladrão não foi bem assim. Saía da escola e me dirigia à parada de ônibus, por volta das 15h30, quando um sujeito de pele negra muito bem vestido e com bastante educação perguntou-me as horas. Mal olhei para o relógio e ele avançou para o meu braço, dizendo que eu ficasse quieta porque era um assalto. Olhei bem em seus olhos durante todo o ocorrido. Não pude evitar esse comportamento tão repreendido pelas autoridades policiais. Isso ocorreu há mais de 20 anos, mas acho que ainda seria capaz de reconhecê-lo. Muita gente não acredita quando digo, mas ainda dei tchau ao meliante quando ele foi embora.
É ou não é estranho? Tenho essa tendência de me manter quase uma barata morta quando algo enerva todos ao redor. Não sei como, já que sou extremamente ansiosa. Normalmente, sou aquela que consegue raciocinar melhor quando algo foge ao controle. Da última vez que vi um assalto, o cara tinha uma arma em punho e assaltou uns jovens a 100 m de onde eu estava. Todo o pessoal ao meu redor não sabia o que fazer. Eu que tive que enxotar todo mundo para dentro de casa, uma vez que pareciam em transe diante do ocorrido.
Saindo da seara de crimes, as notícias sobre saúde costumam causar grande ansiedade em mim. Mas somente a espera me deixa ansiosa. Imagino 300 mil coisas ruins. Ciente do diagnóstico, o que me resta a não ser me adaptar à realidade e seguir o curso de minha vida? A última notícia médica revelou uma condição gástrica um tanto quanto preocupante. O que fazer? Mudar o ritmo de vida vem sendo uma constante agora. Por incrível que pareça, naturalmente consegui reduzir minha ansiedade. Sou a famosa perua (morro de véspera) como já revelado acima. No entanto, a realidade de um novo quadro em minhas condições que precisa ser controlado para não atingir um mal maior me fez encontrar uma serenidade jamais conhecida por mim.
Estou aprendendo que as coisas existem independentemente de mim. Também podem ser resolvidas sem mim. Não haverá um cataclisma mundial se eu estabelecer menos tarefas em nome da saúde. Além disso, abandonar certos alimentos e bebidas não transformará minha existência num inferno de Dante. Tudo assim, com muita serenidade, sem drama.
Nunca me vi com tal característica, mas eis que algo nos assola e revela coisas inimagináveis. A notícia ruim me trouxe coisas boas. Apesar de todo o sofrimento que a fase inicial impeliu - enjoar até água revela bem a tortura - perdi alguns quilos e redescobri outros valores na vida.
Não sei de onde vem a serenidade, nem se ela veio mesmo para ficar. Porém nunca me senti tão em paz comigo mesma, tão no controle do meu destino.
Que bom seria se todo mundo pudesse ver o que eu agora vejo! Valorizamos tanto coisas sem futuro e deixamos de atentar que o bom da vida está nas coisas mais simples, que não precisam de dinheiro, tecnologia e/ou da audiência de quem quer que seja para existirem. É nesse momento que tudo se encaixa perfeitamente e deixamos de ser escravos dos outros e de coisas sem valor.
Sei que esse entendimento normalmente vem quando se enfrenta uma situação de vida ou morte. Não é o meu caso. Fui chamada a corrigir minha rota bem antes. Por isso, gostaria que todos tivessem a mesma chance que eu de encontrar a serenidade assim, sem saber de onde ela vem. Resolveria muitos dos problemas do mundo.
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