Eu poderia falar sobre a galera que acabou vindo aqui para casa para acompanhar Brasil x Croácia. Poderia também falar que eu não vi quase nada do jogo porque era meu na maior parte do tempo o comando da churrasqueira e da louça para lavar que ia surgindo aqui e ali. Mas acho melhor falar mesmo da frustração de ver uma equipe medíocre como a Croácia (sem menosprezo, é apenas que não gosto de seu estilo de jogo, que cozinha, cozinha, cozinha para ganhar tão-somente na disputa sem graça entre um batedor de pênalti de um lado e um goleiro do outro) conseguir repetir contra o Brasil o que fizera contra o Japão. Só falta mesmo ela ser campeã desta copa ridícula por sua escolha de sede (já declinei motivos mil em outros textos) para fecharmos o firo da mediocridade absoluta e coletiva.
A verdade é que o Brasil sofre de uma safra de jogadores absolutamente comum, não genial. São bons jogadores e só. Quantos gênios estavam em campo? Ou mesmo no banco? Nem aquele jogador talismã, tipo um Adriano Gabiru, estava disponível nesta seleção. Nesta seleção e em todas formadas por esta triste geração 2014, carimbada para sempre com o ridículo 7x1 tomados numa semifinal de copa disputada dentro de casa.
Dei título a este texto chamando essa geração de desfocada, mas na verdade ela é focada em muita coisa, menos em jogar futebol coletivo, em se superar com a camisa que representa seu país. Esta é a geração dos stories do Instagram e dos vídeos de TikTok, sempre planejados para estar dentro dos padrões atuais da última moda de memes e da viralização. Jogador hoje se preocupa com a pose quando acorda, quando come, quando treina, quando vai para a balada. O importante é "causar". O marketing, importantíssimo para polpudos contratos de publicidade e até para contratos de futebol com paparicos impensáveis em outras épocas, é quem dita o ritmo.
Assim, a geração 2014 nos apresentou capitão que pede para não cobrar pênalti, algo impensável em qualquer time de pelada Brasil afora. O líder dá exemplo sempre, tenha ele a braçadeira ou não. Thiago Silva nunca entendeu isso, e este foi o exemplo que ele deu logo numa copa e logo dentro de casa.
1994, por exemplo, foi a última geração a de fato ter coletividade e a encarnar o espírito de superação que se espera de quem veste a camisa de um país inteiro em busca de uma conquista (desculpem, mas 2002 tinha um pouco disso, afinal Ronaldo também esteve em 94, mas foi muito mais um acidente causado pela chuva de monções na Ásia, que antecipou as datas e pegou meio mundo com craques quebrados e o Brasil recuperando o seu "fenômeno"). Perdemos a zaga titularíssima em cima da estreia e o lateral esquerdo que nos daria a classificação à final foi convocado fazendo fisioterapia até lá. Até a briga entre Bebeto e Romário, a maior dupla de ataque que uma seleção de futebol já viu, e muito comentada (a briga) na imprensa como empecilho à conquista do tetra, foi resolvida com uma ida de Bebeto ao quarto de Romário na noite anterior ao dificílimo duelo das oitavas de final de 94 contra os donos da casa num calor de 40° para pedir só um gol que o consagrasse na copa, ao que Romário atendeu com um lindo passe no dia seguinte para Bebeto marcar o único gol que colocou o Brasil nas quartas de final daquele tetra, apesar de a seleção ter um a menos em campo com a expulsão do lateral esquerdo Leonardo por dar uma cotovelada no americano Tab Ramos. Quem viu lembra a resposta de Bebeto logo após marcar o gol, fazendo o gesto de "um" com o dedo, dizendo que só pediu um gol e agradecendo a Romário com o mais famoso "eu te amo" do futebol mundial.
Aquela copa teve o primeiro 0x0 de uma final. Brasil e Itália sofreram com os 40-44° do verão americano em pleno meio dia. Há quem diga que a sensação térmica chegou aos 47° e nessa época a Fifa mandava recomendações médicas para as cucuias e não havia pausa para hidratação. A disputa foi para os pênaltis. Romário tinha um dos piores desempenhos no quesito, mas vendo a tremedeira que começava a bater nos seus companheiros de time, ele não contou dois e se apresentou ao auxiliar Zagalo dizendo para todo mundo ouvir que ele ia sim bater o pênalti. Salvo traição de memória, a cobrança ainda raspou a trave, mas venceu o bom goleiro Gianluca Pagliuca, que lamentou muito não ter conseguido alcançá-la.
Esse é o comportamento de líder que a geração 2014 - vinte anos depois, portanto - matou. Lá, todos queriam o bem maior, o tetra tão esperado há 24 anos. Agora, é melhor pedir para não bater o pênalti para não sofrer o abalo (seja emocional ou de imagem mesmo) de eternizar um fracasso para todo mundo ver.
Para piorar, Neymar, o tão apontado líder técnico, foge das cobranças pedindo sempre para ser o último. Imaginem aí como o restante se sente! Os líderes se dividem entre não querer cobrar o pênalti ou ser deixado por último, para, quem sabe, nem precisar cobrar. É simplesmente ridículo, me desculpem.
Neymar ainda levou o quesito polêmica a outro patamar. Antigamente, a discussão era se craque fugindo de concentração, mas resolvendo em campo, cabia ou não na seleção. Hoje, o cara se mete a prometer a um governante rejeitado pela maior parte da população que faria seu número eleitoral na comemoração de seu primeiro gol na copa. Chamou para si, sozinho, um pressão que não existia e jogou todos os seus companheiros no turbilhão de enfrentar torcida contra com microfones, não com desempenho em campo, uma verdadeira receita para o desastre, inclusive pelo marketing negativo (ninguém avisou?).
Torço para que a esculhambada CBF enfim tenha coragem de trazer um treinador ou uma treinadora de fora, com outra visão sobre os melindres da geração 2014, que eu também espero tenha encerrado seu caminho com a amarelinha. Deu super certo na seleção feminina, que faz uma excelente transição de gerações. Os técnicos brasileiros, sem demérito, têm muito a evoluir na organização e nos bastidores. Cartolada+empresários e geração melindrosa não terão a mesma influência sobre o trabalho de alguém com outro tipo de cultura no esporte. Seria benéfico para todo mundo, inclusive para o engradecimento do futebol brasileiro em geral. Se mudar agora, pode ser que tenhamos esperança em 2030, mas é difícil exigir mudança onde a acomodação reina. Sigamos de melindre em melindre e de mediocridade em mediocridade, então.