Les Misérables, de Victor Hugo, é um verdadeiro retrato minucioso da sociedade do anos 1800. Quase 200 anos depois de sua publicação, ocorrida na metade final do século 19, ainda encontramos lições filosóficas muito atuais em suas passagens, mesmo que elas fujam do enredo principal.
Abaixo um trecho longo, que começa na página 1005 e termina na página 1006, embora o discurso comece ainda antes, da versão traduzida para o inglês por Norman Denny, publicada em 2013 pela Penguin Books, seguido de uma versão livre para o português para quem não manja da língua inglesa:
'(...) Citizens, no matter what happens today, in defeat no less than victory, we shall be making a revolution. Just as a great fire lights up all the town, so a revolution lights up all mankind. And what is the revolution that we shall make? I have already told you: it is the revolution of Truth. In terms of policy, there is only one principle, the sovereignty of man over himself, and the sovereignty of me over me is called Liberty. Where two or more of the sovereignties are gathered together, that is where the State begins. But there can be no withdrawal from this association. Each sovereignty must concede some portion of itself to establish the common law, and the portion is the same for all. The common law is nothing but the protection of all men based on the rights of each, and the equivalent sacrifice that all men make is called Equality. The protection of all men by every man is Fraternity, and the point at which all these sovereignties intersect is called Society. Since this intersection is a meeting point, the point is a knot - hence what is called the "social bond". It is sometimes called the social contract, which comes to the same thing, since the word "contract" is etymologically based on the idea of drawing together. But equality, citizens, does not mean that all plants must grow to the same height - a society of tall grass and dwarf trees, a jostle of conflicting jealousies. It means, in civic terms, an equal outlet for all talents; in political terms, that all votes will carry the same weight; and in religious terms that all beliefs will enjoy equal rights. Equality has a means at its disposal - compulsory free education. The right to learn the alphabet, that is where we must start. Primary school made obligatory for everyone and secondary school available to everyone, that must be the law. And from those identical schools the egalitarian society will emerge. Yes, education! Light! - light - all things are born of light and all things return to it! Citizens, our nineteenth century is great, but the twentieth century will be happy. Nothing it will resemble ancient history. Today's fears will all have been abolished - war and conquest, the clash of armed nations, the course of civilization dependent on royal marriages, the birth of hereditary tyrannies, nations partitioned by congress or the collapse of a dynasty, origin speeding their heads together like rams in the wilderness of the infinite. Men will no longer fear famine or exploitation, prostitution from want, destitution born of unemployment - or the scaffold, or the sword, or any other malice of chance in the tangle of events. One might almost say, indeed, that there will be no more events. Men will be happy. Mankind will fulfill its own laws as does the terrestrial globe, and harmony will be restored between the human souls and the heavens. The souls will circle about the Truth as the planets circle round the sun. I am speaking to you, friends, in a dark hour; but this is the hard price that must be paid for the future. A revolution is a toll-gate. But mankind will be liberated, uplifted and consoled. We here affirm it, on this barricade. Whence should the cry of love proceed, if not from the sacrificial altar? Brothers, this is the meeting place of those who reflect and those who suffer. This barricade is not a matter of rubble and paving-stone; it is built of two components, of ideas and of suffering. Here wretchedness and idealism come together. Day embraces night and says to her, "I shall die with you, and you will be reborn with me." It is of the embraces of despair that faith is born. Suffering brings death, but the ideas brings immortality. That agony and immortality will be mingled and merged in one death. Brothers, we who die here will die in the radiance of the future. We go to uptown flooded with the light of dawn.'
'(...) Cidadãos, não importa o que aconteça hoje, tanto na derrota quanto na vitória, estaremos fazendo uma revolução. Assim como um grande incêndio ilumina toda a cidade, uma revolução ilumina toda a humanidade. E qual é a revolução que faremos? Já lhes disse: é a revolução da Verdade. Em termos de política, há apenas um princípio, a soberania do homem sobre si mesmo, e a soberania de mim sobre mim é chamada de Liberdade. Onde duas ou mais soberanias se reúnem, é aí que começa o Estado. Mas não pode haver retirada desta associação. Cada soberania deve conceder uma parte de si mesma para estabelecer a lei comum, e a parte é a mesma para todos. A common law [lei, direito baseado nos costumes] nada mais é do que a proteção de todos os homens com base nos direitos de cada um, e o sacrifício equivalente que todos os homens fazem é chamado de Igualdade. A proteção de todos os homens por cada homem é a Fraternidade, e o ponto em que todas essas soberanias se cruzam é chamado de Sociedade. Já que esta intersecção é um ponto de encontro, o ponto é um nó - daí o que se denomina "laço social". Às vezes é chamado de contrato social, que dá no mesmo, uma vez que a palavra "contrato" é etimologicamente baseada na ideia de aproximação. Mas igualdade, cidadãos, não significa que todas as plantas devam crescer até a mesma altura - uma sociedade de grama alta e árvores anãs, uma junção de ciúmes conflitantes. Significa, em termos cívicos, uma saída igual para todos os talentos; em termos políticos, que todos os votos terão o mesmo peso; e em termos religiosos que todas as crenças gozarão de direitos iguais. A igualdade tem um meio à sua disposição - o ensino gratuito obrigatório. O direito de aprender o alfabeto, é por aí que devemos começar. Escola primária tornada obrigatória para todos e escola secundária acessível a todos, isso deve ser a lei. E dessas escolas idênticas surgirá a sociedade igualitária. Sim, educação! Luz [conhecimento]! - luz - todas as coisas nascem da luz e todas as coisas voltam a ela! Cidadãos, nosso século XIX é ótimo, mas o século XX será feliz. Nada que se pareça com a história antiga. Os medos de hoje terão todos sido abolidos - guerra e conquista, o choque de nações armadas, o curso da civilização dependente de casamentos reais, o nascimento de tiranias hereditárias, nações divididas pelo congresso ou o colapso de uma dinastia, religiões batendo cabeças como carneiros no deserto do infinito. Os homens não mais temerão a fome ou a exploração, a prostituição por necessidade, a miséria nascida do desemprego - ou o cadafalso, ou a espada, ou qualquer outra malícia do acaso no emaranhado de acontecimentos. Quase se poderia dizer, de fato, que não haverá mais eventos. Os homens serão felizes. A humanidade cumprirá suas próprias leis, assim como o globo terrestre, e harmonia será restaurada entre as almas humanas e os céus. As almas giram em torno da Verdade como os planetas giram em torno do sol. Estou falando com vocês, irmãos, numa hora escura; mas este é o preço difícil que deve ser pago pelo futuro. Uma revolução é um pedágio. Mas a humanidade será libertada, elevada e consolada. Nós aqui afirmamos isso, nesta barricada. De onde deve vir o grito de amor, senão do altar do sacrifício? Irmãos, este é o lugar do encontro de quem reflete e de quem sofre. Esta barricada não é feita de entulho e pedra de pavimentação; é constituída por dois componentes, de ideias e de sofrimento. Aqui a miséria e o idealismo se juntam. O dia abraça a noite e diz a ela: "Eu morrerei com você e você renascerá comigo." É do abraço do desespero que nasce a fé. O sofrimento traz à morte, mas as ideias trazem a imortalidade. Essa agonia e imortalidade serão misturadas e fundidas em uma morte. agonia. Irmãos, nós que morremos aqui morreremos no esplendor do futuro. Vamos para a parte alta da cidade inundada pela luz do amanhecer.'