Recebi ontem questionamento no Twitter de Rodrigo Freire a respeito de notícia revelando que o América-RJ efetivou o registro do nome "América Football Club" e do símbolo "AFC" e querendo saber se isso forçaria os outros Américas do Brasil a efetuarem modificações em seus escudos.
Bem, registro de marcas não é a minha praia. A última vez que vi isso efetivamente na vida foi há mais de 20 anos na faculdade de Direito. Ainda assim, me atrevi a fuçar pelo menos superficialmente o assunto.
Para a minha sorte, a lei que regula direitos e obrigações de propriedade industrial ainda é a 9.279/96, com pouquíssimas modificações. No caso dos clubes de futebol, ainda é preciso considerar a Lei Pelé, que é a 9.615/98, modificada umas trocentas vezes.
Como estamos tratando de futebol, comecemos pelo que diz a Lei Pelé a este respeito. É no art. 87 que está o mais claro regramento no que se refere aos clubes (ou entidades de prática desportiva, como a lei prefere denominar):
Art. 87. A denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente.
Pronto. Todo mundo protegido por prazo indeterminado tanto quanto aos seus nomes como quanto aos seus símbolos desde que existam como clubes. Fim da história.
E no caso do registro da marca? Aí o prazo da proteção já não é a perder de vista - são 10 anos, prorrogáveis sempre que forem atendidos os requisitos previstos na lei. Também pode o registro vir a ser anulado ou até caducar (neste último caso, por falta de uso).
Em geral, o que se busca ao registrar uma marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial é proteção do Estado contra o uso não autorizado, leia-se especialmente pirataria. No caso da atividade comercial, quem não registra sua marca não pode se levantar contra o uso dela por terceiro em verdadeira concorrência desleal. O registro traz essa proteção.
No caso do futebol, me parece que essa proteção já existe com a Lei Pelé. Acredito que os clubes estejam imbuídos de se resguardarem mais claramente em relação a outros ramos além do futebol, como a possibilidade de alguém inaugurar um bar chamado América Football Club e com o símbolo do América-RJ. Isso pode vir a ser um passo olhando mais à frente, com uma possível onda de clubes virando empresas, com acionistas e tudo mais, quando enfim teríamos entidades com donos de fato (esses já existem) e de direito.
Ainda correndo o risco do estudo superficial de quem não milita na área, e me voltando especificamente à pergunta de Rodrigo sobre se os Américas de todo o Brasil estariam agora forçados a mudar seus escudos, respondo categoricamente: não. Além do que já diz a Lei Pelé e do fato do escudo do América-RN já ter sofrido há décadas modificação que o deixou exclusivo, não me parece plausível que um registro novo possa mexer em situações já consolidadas no tempo (e bote tempo nisso!). E se formos em busca de símbolos semelhantes ou nomes parecidos, não sei nem dizer quantos clubes passariam incólumes Brasil afora, não sendo nada louco imaginar que nenhum sobraria sem modificações.
É possível que isso tenha alguma consequência em relação a novos registros no INPI. Talvez tenha sido essa a motivação para a grande mudança que o antigo Atlético-PR, hoje Athletico-PR implantou em seu nome, seu escudo, sua mascote e que quase alterou também as cores do clube. Ser exclusivo pode ser de grande valia para um mundo cada vez mais voltado para o marketing. E a atualização de marcas e símbolos é processo corriqueiro também no futebol, ainda que seja para acrescentar estrelas (cá para nós, acho isso tão ultrapassado...) no escudo.
De um jeito ou de outro, o futebol brasileiro vai sendo empurrado à fina força para um mundo em que o esporte é cada vez mais sinônimo de negócios fora das quatro linhas.