Cada vez que tenho que pegar ou deixar um quase finado processo físico num dos fóruns deste estado, vem à minha mente o meme "Me respeita que eu sou dessa época".
Sim, sou do tempo do processo físico, com capa de uma só cor (verde, rosa, amarela, azul...), furinho nas folhas, toda petição em no mínimo duas vias. Aliás, sou do tempo do carimbo no protocolo da vara, depois substituído por uma autenticação mecânica, também em vias de ser aposentada pelo PJE e seus certificados digitais.
Mais que isso, sou do tempo das procurações em máquinas de escrever. Aprendi datilografia ainda na alfabetização porque meu pai tinha uma oficina de máquinas e fazia questão de me ensinar até como operar cada uma delas. No meu estágio na OAB, terminava com mais esse encargo pela facilidade que tinha de manusear aquelas pesadas teclas que resistiam aos tempos da computação.
Já na prática da UFRN as procurações eram preenchidas a mão mesmo.
Uma vez, entre uma audiência e outra, redigi uma procuração toda a mão para acudir a uma juíza que tinha as partes (justiça gratuita) para um acordo, mas não tinha advogado nomeado nos autos para enfim distribuir a justiça. Aceitei na hora, sem nem pestanejar.
Sou do tempo em que carregávamos agendas para anotar os compromissos, prazos e audiências, e pastas de bom tamanho para transportar autos processuais volumosos sem amassá-los. Dar entrada num processo era passar pela sala da distribuição e pela fila do banco para pagar as custas. Conferir intimações era revirar o Diário Oficial página por página torcendo para não deixar passar nada naquelas miúdas letras.
Já vi o juizado especial ter uma única secretaria para atender a todas as suas divisões, numa espera de advogados e povo em geral por atendimento que lembrava o SUS. Os processos eram guardados em caixas até debaixo do balcão de atendimento, e, claro, vez por outra ficavam desaparecidos por dias.
O juizado já foi todo espalhado nesta cidade, inclusive.
Talvez seja uma das poucas advogadas deste estado em atuação a já ter tido que apresentar uma ação para restauração de autos, visto que os originais "sumiram" sem muita explicação de uma determinada vara. E que já viu um tribunal daqui perder uma petição de acordo que deveria ter sido encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça, mas que recebeu o empenho de toda a equipe desse tribunal, inclusive de seu diretor para resolver rapidamente o problema, tudo fruto de minha calma ao lidar com eles, segundo uma funcionária um dia me confessou (sim, sou do tempo da gentileza...). O desaparecimento só foi diagnosticado pela minha mania de acompanhar se um processo que saiu dali chegou aqui e vice-versa.
Também sou do tempo em que ser atendida numa determinada secretaria era ter de aguardar o pôr-do-sol (sim, o atendimento presencial um dia já foi até 18h).
Tanta coisa mudou neste tempo todo que é até engraçado ter todas essas lembranças ao ter que fazer carga de um processo para cumprir alguma intimação.
De todo jeito, o meio ambiente agradece a queda drástica no uso de papel. O trânsito também pela diminuição de deslocamentos aos fóruns. A tendência de atacar a burocracia segue firme, embora a passos de formiguinha. Recursos públicos podem ser empregados em outras coisas que não aluguel de espaços para armazenar tantos volumes de papel, que depois seguiriam para o lixo.
Sou desse tempo, mas ele não deixou saudades, não. Só o meme mesmo para me fazer dar risadas no caminho. Já está de bom tamanho.