Um primor o artigo de hoje de Vicente Serejo em sua Cena Urbana, na Tribuna do Norte.
H(h)istória
O presidente Jair Bolsonaro, por sua formação castrense, que o faz acreditar no conflito como única forma de sobrevivência, parece que não aprendeu as lições e experiências deixadas como sequelas pela ditadura militar. Lembra, pelo visto, da força e opressão como instrumentos de controle, mas esquece que, por isso mesmo, brotou a resistência nas ruas, no silêncio ou no grito, nos gestos, nos livros e canções, até explodir de forma incontrolável.
Os relatos históricos que formam a trajetória da luta contra a opressão - Não importa se escrevendo a História, com maiúscula, ou a história, com minúscula - conta de outro jeito como tudo aconteceu. Quando o regime militar caiu, os líderes proscritos pelas baionetas e o bico dos borzeguins voltaram - os vivos em nome dos mortos - nos braços do povo. E arrastaram suas multidões, governaram estados e cidades, ocuparam o Senado e a Câmara.
Agora mesmo,dois episódios públicos revelam de forma material a reação que vem à tona: a homenagem no Teatro Municipal de São Paulo a Fernanda Montenegro, agredida por um executivo da Fundação Nacional de Artes - Funarte, com mil e quinhentas pessoas de punho cerrado; e o festival que o governo e a prefeitura paulistas anunciam reunindo todas as peças teatrais que, em nome do pudor, sofreram censura por órgãos e entidades federais.
São jejunos intelectuais de toda espécie os que defendem censura e falsamente posta em nome dos bons costumes, como se todos os filtros de uma sociedade não tivessem que nascer dela mesma e não do arbítrio. Nunca de quem queira arvorar-se de dono do que a sociedade quer mostrar e assistir. A monstruosidade da censura começa sempre com uma tentativa diluída de regular e regulamentar a liberdade para só depois cair no uso da força.
Da mesma maneira que no regime democrático não cabe proibir manifestações que alguém considere de direita ou de esquerda. É intolerância na mesma intensidade, que, em nome de qualquer ideologia, se proteste de forma clara ou velada contra posturas individualmente ou manifestações artísticas. É do jogo democrático não aceitar, sob nenhum pretexto, substituir argumentos por desaforos, ainda que pareçam de arroubos ou valentias.
As tarefas estão divididas. Aos veículos formais - jornal, rádio e tevê - a resistência; às redes sociais, manter a sociedade civil agilmente informada e mobilizada. As redes foram postas nas mãos, olhos e ouvidos pela tecnologia, e são uma conquista. Nem os exércitos mais bem armados do mundo conseguirão derrotar. Todos sabem de tudo ao mesmo tempo na aldeia global. O que parecia uma elucubração teórica, hoje é uma realidade absoluta. E basta.