Por onde começar? Finalmente consegui superar o tédio dos primeiros 7 episódios de 13 Reasons Why. Se você ainda não viu a série, é bom saber que ela só passa a ter um caráter verossímil a partir do 8.° episódio. E se não quiser saber mais nada, pare por aqui.
A série parte de uma premissa absolutamente absurda nos dias atuais. Uma jovem do ensino médio americano em pleno ano de 2017 resolveu se matar, mas antes deixou 13 gravações em fitas cassetes (sim, se você nasceu nos anos 90, nem sabe mais o que é isso) explicando como cada pessoa de seu círculo de amizades contribuiu para sua drástica decisão. É bom acrescentar que ela nem tinha um aparelho para gravar as tais fitas - descolou um com um colega com quem ela mal trocava ideias.
Tá muito fantasioso? Ela deixou instruções com um amigo para ouvir todas as fitas e ir passando para cada uma das 13 pessoas, que também deveriam escutar e passar à frente de acordo com a numeração das fitas. Fico me perguntando como foi que todo mundo conseguiu toca-fitas em perfeito estado de funcionamento hoje em dia. Mais: como nenhum desses aparelhos simplesmente comeu a fita (quem nasceu antes do meio dos anos 80 sabe bem o que estou dizendo).
Viajando muito? A garota revela algumas coisas horríveis, crimes mesmo, e todo mundo acha que a melhor solução é ouvir, passar adiante e deixar o dito pelo não dito.
Quer mais? A garota gravou treze fitas, ou 7, já que aparentemente cada lado é para uma pessoa diferente, mas não deixou nem um mero bilhete para os próprios pais, mesmo sendo alguém que gostava de escrever.
Além disso, o perfil dela nem de longe bate com o de alguém que chegaria a tal extremo. Ou alguém acha que depressão é uma mera carinha de choro num dia e que no outro está tudo resolvido?
A série tem muita dificuldade em convencer nos dramas de Hannah Baker, mas se sai muito bem em relação aos outros envolvidos. Por que todo mundo achava que Hannah era a rainha do drama, como acontece com os depressivos? Em nenhum momento da série ela revela tal traço em seu comportamento. Muito pelo contrário, ela sempre pareceu muito bem resolvida e com bom relacionamento com os pais.
Como eu disse, somente a partir do 8.° episódio a série começa a mostrar uma Hannah mais real. Até mesmo os seus colegas ficam mais reais.
Sobre as tais cenas chocantes, acho que ando assistindo muito a séries com censura 18 anos. As cenas ficaram muito aquém do que eu esperava. Palmas apenas para a câmera focada em seu rosto, perdendo aquele espírito de vida no exato momento em que era estuprada por um dos mauricinhos da escola.
Já o suicídio em si merecia algo bem mais impactante, até para que os que assistem à série fiquem sabendo que o suicídio não é a saída mais fácil. A morte por ela escolhida, por exemplo, é bastante dolorosa e lenta. Esse cuidado poderia ajudar a manter controle sob um possível efeito copycat, uma vez que a notícia de um suicídio pode soar como solução para outras pessoas em crise de depressão.
A impressão que se passa é que todo mundo de fato tinha culpa de algo que, na verdade, só poderia ser colocado na conta da doença que acometia Hannah, mas que passou praticamente incólume frente às câmeras da série. Nem todo mundo que sofre bullying se mata, nem todo mundo que é vítima de um monstro sexual se mata, nem todo mundo que é testemunha de um crime se mata. É a depressão a grande culpada e, quando ela se instala, nada faz mais sentido. Logo, não há motivo. Ainda que Hannah tenha tido grandes traumas, somente a depressão a levaria a algo extremo e Hannah passou longe de apresentar os sinais clássicos até o 8.° episódio da série. A partir daí, alguns poucos deram as caras.
Também era preciso mais cuidado para não passar a ideia de que Hannah conseguiu se vingar de todo mundo ao tirar a própria vida. Ela não venceu; antes pelo contrário, ela foi a que mais perdeu ao abrir mão da própria vida. Os outros até vão sofrer a sua perda, mas enfim vão seguir com suas vidas e serão felizes novamente, porque assim é a vida.
E me espanta muito que alguém tenha tido todo o tempo do mundo desabafando sobre seus "motivos" em voz alta, não tenha conseguido conversar com qualquer outra pessoa, inclusive seus pais a respeito. Afinal, não estamos falando de uma pessoa introspectiva, que mal se expressava. Dar o primeiro passo é sempre mais difícil. Depois de botar tudo para fora, essa seria a tendência natural.
Com todos os defeitos do mundo, 13 Reasons Why? perdeu a oportunidade de mostrar como um suicídio, coisa seríssima, surge do nada, em virtude do monstro da depressão. E perdeu tempo com episódios iniciais absolutamente desnecessários e sem graça, quando podia ter abordado com mais profundidade a transformação de Hannah Baker em suicida, especialmente a partir das violências presenciada e sofrida, o que certamente serviria de alerta para pais, professores e adolescentes em geral.
Me parece que a intenção foi abordar a crueldade do comportamento adolescente, especialmente quanto ao cyberbullying. Eu diria até que a sociedade em geral, não só os adolescentes, é viciada em cyberbullying. Ou não é isso que vemos diariamente, mesmo em questões políticas, nos Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp da vida? Compartilhamos diariamente as "brincadeirinhas" com fotos e vozes de pessoas reais e apelidos depreciativos para todo lado. Fora os verdadeiros linchamentos virtuais, sem chance de defesa. Bullying é mesmo um problema só de crianças e adolescentes?
E antes que eu mesma vire alvo de ataques pelos inúmeros defeitos apontados na série, esclareço que falo com a autoridade de quem já teve de lidar muito de perto com suicídios, suas tentativas e estupros. Garanto que a realidade merecia um melhor tratamento na série.
Menos mal que do 8.° episódio em diante, a série mostrou um melhor foco. Já prometeram uma segunda temporada. Talvez seja hora de trabalhar os que foram desde o início muito bem trabalhados: as 13 pessoas apontadas por Hannah Baker. E mostrar a dura realidade da vida. Algo como ser menos comercial e mais real. Ou será que a verdadeira motivação de Hannah Baker merecerá um melhor tratamento e veremos tudo sob outra perspectiva - a da realidade? Sinceramente, duvido. E me dói muito quando vejo um diretor tem algo tão promissor em suas mãos e arruinar tudo dessa forma.
Ficou pelo menos a discussão necessária sobre parte do tema. Pelo menos isso deve ser creditado à série.